O corte de 4 mil milhões de euros nas despesas correntes do Estado, que se perspectivam para 2014, obrigam a que as tabelas salariais na Função Pública sejam revistas. Embora no Governo ainda ninguém o tenha dito de forma directa, deu já para entender que o actual executivo, com o beneplácito, da troika se prepara para alterar, por completo, as tabelas salariais dos funcionários públicos.
Há muito que discordo do actual regime salarial docente. Já por diversas vezes escrevi sobre este assunto. Discordo que as tabelas salariais apenas distingam os docentes entre aqueles que pertencem ao ensino superior e os que são do ensino não superior. Sempre defendi que deveriam existir três regimes salariais: um para educadores e docentes do 1º ciclo, outro para os do ensino básico e secundário e outro para os do superior.
Mas, a maior discordância que tenho para com o actual regime salarial dos docentes do ensino não superior prende-se com a enorme disparidade existente entre aquilo que se paga a um professor com poucos anos de serviço e o que se paga a um docente em final de carreira. Aliás, já aqui coloquei dados da OCDE que provam que Portugal tem um dos regimes salariais com maiores discrepâncias da OCDE (se não mesmo o maior) nos salários de professores com 15 e 35 anos de serviço.
Sempre defendi que deveríamos ter um menor número de escalões salariais, por forma a que os vencimentos dos professores fossem menos díspares do que aquilo que hoje temos. Considero uma profunda injustiça que um colega no 1º escalão ganhe quase menos 800 euros que um colega seu em final de carreira, quando este último já é beneficiado num conjunto de factores: tem preferência na escolha das turmas e de horários; regra geral, lecciona perto da área de residência (tendo menos despesas em termos de deslocação e alimentação); tem redução da componente lectiva; regra geral, não lecciona a CEF`s, PCA`s e profissionais, mas sim às melhores turmas; não precisa de ser avaliado, entre outras benesses...
Aliás, costumo dizer que estes colegas com mais anos de serviço são bafejados por ums dupla compensação: ganham mais e leccionam menos horas que os colegas mais novos. Ora, o que considero mais justo é que estes colegas possam continuar a ter direito à redução da componente lectiva (dado o desgaste da profissão), mas que a diferença salarial para com os seus colegas mais novos não seja tão grande como é actualmente.
Em Fevereiro próximo, quando o Governo apresentar à troika as propostas de cortes de 4 mil milhões de euros nas despesas correntes, seria de bom senso e de elementar justiça que, no âmbito dos vencimentos dos professores, a nova proposta de tabelas salariais incorporasse um menor número de escalões (quatro no máximo) e que a diferença salarial entre cada um desses escalões fosse mais reduzida, por forma a que a diferença de vencimento entre um professor do quadro em início de carreira e aquele que está no fim da carreira não ultrapassasse os 200 euros, bem diferente dos mais de 800 euros actuais.
Repare-se que nada justifica que um professor do 2º escalão (actualmente com 14 ou 15 anos de serviço) ganhe menos 700 euros que um colega seu em final de carreira quando a função que ambos exercem é precisamente a mesma. Aliás, aquele que está no 2º escalão tem mais turmas, mais alunos, mais níveis de ensino, turmas mais difíceis e mais despesas de deslocação e de alimentação que os colegas em final de carreira, apesar do primeiro auferir muito menos que o seu colega menos novo.
Enfim, cada um defende a sua posição, mas há que saber fundamentá-la. Ora, regra geral, aqueles que criticam o actual sistema salarial têm grandes dificuldades para justificar a enorme discrepância que existe no sistema salarial em vigor. Quando criticam aqueles que pensam como eu fazem-no na lógica de que quando os mais novos chegarem aos 60 anos de idade já não pensarão desta forma. Argumento muito fraco que não passa de mero estado de alma. Quanto aos sindicatos, o silêncio sobre o assunto é ensurdecedor...
Gostaria que alguém me conseguisse justificar porque razão não deveremos ter um regime salarial menos desigual, semelhante ao que existe na maioria dos países da OCDE. Aliás, já aqui dei a conhecer o que se passa no Reino Unido e na Dinamarca, onde aquilo que se paga a um docente com 15 anos de serviço (e, portanto, já com experiência) é precisamente o mesmo que se paga a um colega em final de carreira.
Esperemos que o Governo não desperdiçe a próxima revisão salarial na Função Pública para, finalmente, colocar alguma justiça no regime salarial dos professores.