quarta-feira, 27 de março de 2013

Sobre a mobilidade especial e a mobilidade geográfica

Em tempo de pausa lectiva da Páscoa, a classe docente encontra-se em clima de "suspense" sobre o que nos irá reservar o próximo concurso geral de professores. Cada declaração de Nuno Crato é "esmiuçada" ao pormenor e todos anseiam pelo dia em que o Ministro venha confirmar que nenhum professor do quadro irá para a mobilidade especial.
Vivemos tempos conturbados e, convém lembrar aos mais distraídos, que ainda estamos sob a alçada da troika, pelo que, quer queiramos, quer não, estamos amarrados aos compromissos que assumimos com aqueles que nos resgataram da bancarrota. Assim, o que temos não é mais do que uma espécie de "governação à vista", pelo que promessas a longo prazo não passam de mera ilusão. Há quem preferisse que Nuno Crato andasse a prometer aquilo que não pode prometer, numa lógica de promessas "sine die" bem ao estilo do que tivemos durante os governos socráticos e que nos levaram à bancarrota.
Mas, vamos aos factos...
Nuno Crato afirmou em Setembro último que nenhum professor do quadro iria para a mobilidade especial. Não disse que se estava a referir apenas ao ano lectivo em curso. Também ninguém lhe perguntou se poderia assegurar que tal compromisso estaria assegurado para os restantes anos de governação. Todos sabemos o que aconteceu: bastaram seis horas lectivas para se ter componente lectiva e quem não conseguiu essas seis horas ficou nos apoios e ninguém foi para a mobilidade especial. Ou seja, Crato cumpriu com a sua palavra. Agora que se aproxima a organização de um novo ano lectivo, todos esperávamos que Crato voltasse a assumir que nenhum professor do quadro iria para a mobilidade especial. Pelos vistos, a sua vontade era essa, mas a troika não deixou...
Para evitar que alguém do quadro vá para a mobilidade especial, situação que deve ser evitada ao máximo (não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar mão-de-obra qualificada, ainda por cima na Educação, sector vital para o desenvolvimento de qualquer país), Crato opta pelo reforço do sistema da mobilidade geográfica, alargando as áreas correspondentes a cada QZP. Por outro lado, avisa que os professores devem assumir que, não havendo horário no lugar onde estão providos, devem colocar a hipótese de terem de se deslocar para mais longe de casa, desde que isso signifique ter horário.
Ora, há que estabelecer critérios. E é isso que os sindicatos deveriam fazer nas negociações a ter com o ME. Sendo certo que a mobilidade geográfica é bem mais justa do que a mobilidade especial, há duas regras que devem ser respeitadas:
1. A mobilidade geográfica deve ser complementada com um sistema de bonificação remuneratória para os casos de professores que optem por ficar a mais de uma determinada distância da sua área de residência (e devemos falar de distância-tempo e não de distância-quilométrica);
2. No caso de não haver lugar à mobilidade geográfica (por falta de horários, mesmo que dentro do mesmo QZP), a mobilidade especial nunca deve ser alternativa, pelo que há que aproveitar todos os professores do quadro para outras funções de interesse pedagógico, nomeadamente apoios, embora com a condição de que no mesmo grupo disciplinar, as horas lectivas devem ser distribuídas pelos docentes afectos, por forma a evitar que ocorra o que este ano lectivo aconteceu: colegas da mesma disciplina na mesma escola, com um a ter todas as turmas e o outro, sem horário lectivo, apenas a ter apoios.
Nuno Crato afirmou que há 105 mil professores do quadro e que nos últimos seis anos se reformaram cerca de 20 mil professores. Ora, sabendo-se que o número de docentes contratados tem vindo a reduzir-se de ano para ano, é inadmissível que a mobilidade especial se aplique à classe docente. Apesar de sabermos que o número de escolas diminuiu drasticamente (sobretudo no 1º ciclo), que a agregação de escolas vai continuar a ocorrer e que a tendência é para rentabilizar ao máximo os recursos humanos existentes, nada justifica que um único professor do quadro seja colocado no regime de mobilidade especial. A não ser que alguém se recuse a sair da escola onde está afecto, mesmo havendo um horário numa escola do seu QZP.
É bom que tenhamos consciência dos tempos conturbados que vivemos. A mobilidade geográfica, dentro de certos limites e complementada com sistemas de apoio, é uma boa alternativa à situação de horário-zero. Não devemos de actuar como se tivéssemos o rei na barriga... Os tempos actuais são muito difíceis. É nesta perspectiva que considero que temos de nos adaptar à realidade que vivemos, mas recusando sempre a mobilidade especial. Se algum professor do quadro for para a mobilidade especial, esgotadas as situações de mobilidade geográfica, serei o primeiro a pedir a demissão de Nuno Crato...

quinta-feira, 21 de março de 2013

Sobre a "bomba" de ontem...

Vou ser simples e directo ao assunto. Como aqui escrevi no post anterior, Nuno Crato e Casanova de Almeida haviam garantido há pouco tempo que nenhum professor do quadro iria para  o regime da mobilidade especial. Veio a 7ª avaliação da troika e com ela a mudança de discurso. Uma volta de 180º, pelo que a ideia de que "o que hoje é verdade, amanhã é mentira" se aplica que nem uma luva a este caso. A isto chama-se defraudar as espectativas e, em bom português, mentir à descarada. Vou ficar a aguardar pelas declarações de Nuno Crato.
Contudo, estamos em fase de negociações entre o Ministério da Educação e os sindicatos, pelo que convém esperar para ver como vai ficar tudo no papel. Todos sabemos como são as negociações com os sindicatos: o Governo vem com propostas duras para depois retroceder, numa lógica de concessão e partilha de propostas e a resolução final fica-se pelo meio-termo. Neste sentido, continuo a acreditar que, no final, ninguém irá para a mobilidade especial...
Portanto, e indo de encontro ao que aqui venho defendendo, direi que:
1. Não há professores do quadro a mais, mas há problemas óbvios ao nível da sua distribuição;
2. As regras do concurso que se aproxima serão alteradas (como já aqui tinha escrito), sobretudo ao nível da obrigatoriedade dos colegas com horário-zero concorrerem a áreas mais vastas que não apenas as resultantes dos actuais 23 QZP`s;
3. Tendo em conta a saída, nos últimos anos, de milhares de docentes do quadro por aposentação, a acrescentar à redução do número de professores contratados, não se justifica que a mobilidade especial atinja a classe docente;
4. Caso a mobilidade especial se concretize para os docentes do quadro, Nuno Crato passará a ser visto apenas como um "lacaio" da troika e de Vítor Gaspar, pelo que o que Crato deveria fazer era demitir-se por ter faltado à sua palavra.
A "bomba" foi lançada ontem por Casanova e agora há razões claras para contestar e protestar. Ainda por cima a notícia foi conhecida, cirurgicamente, em período de pausa lectiva. Mas, estou certo que teremos aí um 3º período de aulas em brasa e com muitos protestos. Das duas, uma: ou o Governo volta atrás nesta matéria (tal como aconteceu noutras) ou Crato acabou de "comprar" uma guerra com os professores.

sábado, 16 de março de 2013

Informação e contra-informação...

Na 5ª feira passada o Correio da Manhã (CM) trazia em primeira página o destaque do dia "Troika dispensa 10 mil professores". Lá dentro do jornal, na página 8, a notícia resumia-se a menos de meia página e tudo espremido não havia nada de concreto. Apenas que a medida, a ser aplicada, resultaria  numa poupança de 140 milhões de euros. De resto, nada de fontes, de depoimentos, de esclarecimentos ou de informações concretas.
Claro que na 5ª feira um dos principais temas de conversa, tanto nas salas dos professores de muitas escolas, como na própria blogosfera educativa, foi a intenção do Governo de, segundo o CM, despedir professores. Os próprios noticiários televisivos deram conta da primeira página do CM e lá se aumentou o stresse de mais umas largas dezenas de milhares de professores. Do Ministério da Educação não surgiu nenhuma confirmação desta suposta intenção do Governo.
Hoje, sábado, o CM volta à carga e escreve que os professores serão o principal grupo profissional alvo das rescisões amigáveis. Mas, de concreto, nada... Também o Expresso fala do mesmo. Será que o objectivo destes jornais é apenas o de venderem mais exemplares à custa da angústia dos docentes?
Ora, convém relembrarmos as últimas declarações provenientes do Ministério da Educação sobre este assunto. Há menos de um mês o Secretário de Estado Casanova de Almeida reiterava ao Público que "não haveria despedimentos de professores, nem colocação em mobilidade especial contra a sua vontade". O mesmo já havia sido indicado por Nuno Crato aquando da publicação do relatório do FMI. Afirmava Crato que "até este momento, não fizemos nenhum despedimento na Educação, houve contratações que foram ditadas pelas necessidades e nós esperamos continuar exactamente nesse ritmo, porque os professores são necessários às escolas".
Portanto, é bom que haja memória em vez de tanta confusão e desinformação. Nos últimos anos, o número de professores aposentados aumentou de forma considerável, ao passo que as contratações reduziram-se substancialmente. O número de professores afectos ao Ministério da Educação não tem cessado de diminuir e, neste momento, o número de colegas com horário-zero não chega aos 700. O concurso extraordinário de vinculação de professores avançou. Portanto, sendo certo que poderá haver novidades nas regras a estabelecer no próximo concurso geral de professores, parece-me que não faz nenhum sentido que os despedimentos e a mobilidade especial forçada atinjam os professores do quadro.
Até agora, não foi dada nenhuma indicação nesse sentido por parte do Ministério da Educação e cada declaração que surge por parte de Nuno Crato ou de Casanova de Almeida tem sido bem explícita na ideia de que nenhum professor do quadro será despedido.
Eu, por mim, acredito que Nuno Crato fará valer a sua palavra e dará conta a Gaspar e à troika que o "emagrecimento" a que o Ministério da Educação foi sujeito ao nível da redução de milhares de professores nos últimos anos (sem nunca se ter aplicado despedimentos - e portanto, apenas à custa das aposentações e da redução do número de contratados) obriga a que não haja necessidade de se avançar com despedimentos de professores.
Haja memória e cumprimento da palavra: com uma tão grande redução do número de professores verificada nos últimos anos é óbvio que os que estão no sistema são imprescindíveis às necessidades presentes. Foi Crato que afirmou: "Há que tornar o Estado mais ágil, mais competitivo e tornar a Educação melhor, não só com mais recursos, mas melhor utilizando de uma maneira mais apropriada os recursos que existem". O Ministro que não se esqueça do que disse..

quinta-feira, 7 de março de 2013

A especificidade de leccionar nos cursos profissionais

Há uns dias atrás,  um blogger da comunidade blogosférica educativa portuguesa, conhecido pela sua tendência excessivamente umbiguista e prepotente, resolveu amuar e escreveu um artigo a vitimizar-se e a armar-se em coitadinho por num dos comentários que fiz no seu blogue lhe ter dito, em tom irónico, que imaginava o número de horas que o dito umbiguista deveria gastar a preparar materiais para os seus alunos do 2º ciclo. O homem amuou com o que lhe disse e "foi aos arames"...
Este episódio permitiu-me constatar, uma vez mais, que ainda há muitos colegas nossos que não imaginam o que é leccionar aos cursos profissionais. Dizia o umbiguista-mor que tem duas turmas PCA do 2º ciclo e que, portanto, até tem muito trabalho com os seus alunos. Não duvido desse trabalho, mas o problema é que o dito umbiguista tentou equiparar o trabalho que se tem com as turmas do 2º ciclo com o que se tem com as turmas do CEF e do profissional. Esta ideia de que todos os níveis de ensino comportam o mesmo tipo de trabalho é prova de que ainda há muita ignorância na comunidade docente sobre o trabalho específico inerente às disciplinas dos cursos profissionais, nomeadamente às disciplinas técnicas.
Já várias vezes defendi que quem lecciona a turmas CEF e profissionais deveria ter uma redução da sua componente lectiva, dada a especificidade deste tipo de ensino. Esta situação é ainda mais premente em relação aos professores que leccionam disciplinas técnicas, dado que, nestes casos, todos os materiais e recursos pedagógicos têm de ser elaborados pelos próprios docentes, dada a inexistência de manual e o facto dos conteúdos dos programas destas disciplinas implicarem uma componente muito mais prática e contextualizada às regiões onde as escolas se inserem.
Ora, convém esclarecer os mais ignorantes nesta matéria que a docência de disciplinas técnicas dos cursos profissionais implica que o professor prepare, minuciosamente, cada uma das aulas. Nestas disciplinas não se pode "improvisar" na hora da aula recorrendo-se ao manual. Nestas disciplinas o trabalho prático é ponto de ordem e o professor, mais do que debitar conteúdos teóricos, tem de se esforçar por tornar as aulas em espaços de trabalho prático, como se fosse um maestro de uma orquestra, onde os alunos têm de desenvolver competências que lhes permitam entrar mais facilmente no mercado de trabalho.
Nestas disciplinas o professor é obrigado a elaborar um conjunto diversificado de materiais contextualizados à área geográfica onde a escola se insere, o que perfaz muitas dezenas de horas de trabalho apenas para uma turma. Agora, se a isto acrescentarmos o facto destes professores ainda terem turmas do ensino regular, torna-se evidente que estes docentes têm mais trabalho do que aqueles que não têm a seu cargo a docência destas disciplinas.
Vou dar um exemplo concreto. No curso profissional de Técnico de Turismo Ambiental e Rural, há uma conjunto de disciplinas, como Geografia, Turismo e Técnicas de Gestão, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Técnicas de Animação e Acolhimento, História da Cultura e das Artes que obrigam os professores que leccionam estas disciplinas a prepararem um conjunto muito diverso de materiais de apoio às aulas, dado não existirem manuais. Por outro lado, estas disciplinas têm de ser contextualizadas às regiões onde são leccionadas, pelo que o professor que lecciona Geografia a alunos de uma escola de Leiria não elabora os mesmos materiais que um colega seu que lecciona essa disciplina numa escola da Guarda.
Eu falo por mim. Desde que apareceram os cursos profissionais (e já nem falo dos antigos cursos tecnológicos) que já leccionei um conjunto de disciplinas em escolas diferentes que me obrigaram sempre a gastar centenas de horas a preparar materiais para os alunos. Quando leccionei Turismo e Técnicas de Gestão tive de preparar materiais ligados à fiscalidade. Quando leccionei Ambiente e Desenvolvimento Rural tive de preparar materiais ligados ao Direito do Ambiente. E já nem falo de muitos outros módulos, onde a especificidade daquilo que se ensina é tão grande que não se compreende que os colegas que têm estas disciplinas não tenham direito a uma redução da sua componente lectiva.
O umbiguista-mor ficou amuado por pensar que o considero professor de segunda por leccionar ao 2º ciclo. Engana-se! Não considero nenhum colega do 2º ou do 1º ciclo como docentes de segunda, mas não gosto da lógica de colocar todos os professores no mesmo saco, como se todos leccionassem com a mesma dose de esforço, quer sejam do 1º ciclo ou do secundário. Convém perceber que aquilo que é diferente não pode ser dado como igual, pelo que há que saber diferenciar aquilo que é diferente, mesmo que haja o risco de se dividir a classe docente...

sábado, 2 de março de 2013

Relatório do GAVE sobre os resultados nos testes intermédios

No dia em muitos milhares de portugueses preferem ir para a rua fazer barulho e exigir a demissão do Governo e a retirada da troika do país, ignorando as verdadeiras razões que levaram à situação de pré-bancarrota de Portugal, prefiro escrever sobre a disciplina que lecciono. Sobre a manifestação já escrevi aqui.
O relatório que o GAVE publicou sobre os resultados alcançados pelos alunos do 9º ano nos testes intermédios mostra, uma vez mais, que das sete disciplinas do final do 3º ciclo sujeitas a este tipo de avaliação, a Geografia foi a que melhores resultados apresentou no ano lectivo 2011/12.
O jornal Público deu conta, numa das últimas edições, dos maus resultados alcançados pelos alunos do 9º ano a todas as outras seis disciplinas (Língua Portuguesa, Matemática, Inglês, História, Ciências Naturais e Ciências Físico-Químicas), tendo a de Geografia sido a única que, a nível nacional, obteve resultados satsifatórios, apesar da, como refere o GAVE, rigidez patente nos critérios de avaliação.
É com satisfação que dou conta destes resultados, como prova do bom trabalho que a generalidade dos professores de Geografia realizam nas suas aulas, assim como do empenho e gosto que muitos dos alunos que chegam ao fim do 3º ciclo do ensino básico revelam pela disciplina de Geografia, dado que, em termos gerais, os alunos apreciam os temas que se leccionam nas aulas de Geografia. Estes resultados constituem mais uma prova de que a Geografia aborda assuntos da actualidade, que todos os dias nos chegam a casa pelos vários meios de comunicação social, e que implicam a tomada de decisões vitais para o desenvolvimento da sociedade onde nos inserimos: a demografia, as migrações, os transportes, as actividades económicas, o clima, as catástrofes naturais, o ambiente, entre muitos outros assuntos abordados nas aulas de Geografia.
É que, como costuma dizer um aluno meu, a Geografia obriga a que se pondere, se reflicta e se tomem decisões, enquanto que com a maioria das outras disciplinas a atitude que se toma é mais passiva. Bem sei que este ponto de vista é demasiado radical, mas parece-me evidente que se os nossos governantes soubessem mais de Geografia, talvez Portugal não tivesse chegado à situação a que chegou. Pelo menos convinha saber um pouco mais de demografia e de desenvolvimento sustentável (temas da Geografia) para não cometer os erros que se cometeram nos últimos 20 anos de governação (sobretudo nos períodos guterrista e socrático) em Portugal...