Uma das poucas vantagens de quem dá aulas longe de casa é a possibilidade/necessidade que existe em se fazer boleias com colegas que estão nas mesmas condições. Daí resulta que estas viagens propiciam conversas animadas e todos sabemos que quando há muitos professores juntos os temas mais recorrentes são os que têm que ver com a Educação.
Ora, depois de mais de um mês de viagens casa-escola-casa, que por dia totalizam duas horas, quase sempre de carro cheio, o que mais me impressiona é a desilusão que temos com o estado a que Educação, no nosso país, está a levar. Por semana, somos mais de dez colegas que fazemos boleias e todos trocamos "estados de alma" sobre o que se vai passando nas nossas lidas profissionais. A desilusão é total e quase todos os dias comparamos os alunos que tínhamos há 15 anos atrás com os que temos agora...
A maior parte dos professores queixa-se das políticas educativas e da lógica do "empobrecimento" que tem tomado conta do Estado Social desde que a troika tomou conta do país. Contudo, cada vez que vejo colegas a queixarem-se da falta de interesse de muitos pais e alunos pela Escola, da indisciplina que grassa nas nossas escolas ou na cada vez maior dificuldade que os professores sentem em ensinar os seus alunos, recordo-lhes que em 2009 foi tomada, pelo governo de então, uma decisão que está, em grande medida, na origem de muitos dos problemas que, todos os dias, sentimos nas nossas escolas: o alargamento da escolaridade obrigatória para os doze anos.
Quando recordamos os nossos tempos de professores de há alguns anos atrás e afirmamos que era muito mais fácil ensinar (e convém recordar que as turmas não tinham menos alunos nesse tempo; bem pelo contrário - no meu primeiro ano como professor cheguei a ter uma turma do 7º ano com 33 alunos!) convém não esquecer que uma das razões que possibilitava essa "facilidade" de ensinar tinha que ver com o filtragem que existia logo no ensino básico: os alunos com 15 anos que tinham interesse em continuar na escola continuavam; os que, como se dizia na época, "não tinham jeito nenhum para a escola" estavam nove anos na escola e (se não fosse antes por situação de abandono escolar) começavam a trabalhar.
Entretanto, em 2009, o governo socrático decidiu-se pelo alargamento da escolaridade obrigatória até aos doze anos e o que estamos agora a assistir é verdadeiramente elucidativo de como não é por se obrigar alguém a estar na escola durante doze anos que se conseguem melhores desempenhos e resultados escolares. Bem pelo contrário! Muitos daqueles alunos que frequentam as turmas do ensino não regular são precisamente aqueles alunos que há 15 anos atrás deixavam a escola com o 7º ou 8º ano e já com uma ou duas retenções no seu percurso escolar. Agora encaminhamos esses alunos para cursos vocacionais, PCA`s, CEF`s e profissionais e fazemos das "tripas coração" para que estes alunos aprendam alguma coisa. Só quem tem este tipo de turmas é que sabe o "contorcionismo" que há que fazer para captar o interesse de alunos pouco interessados em estudar. As estratégias são bem conhecidas: pouca teoria e muita prática. Mas, muitas vezes, nem com aulas mais práticas estes alunos lá vão...
Recorde-se. Foi em 2009 que o governo de Sócrates se decidiu por obrigar os jovens a estarem na escola durante doze anos, uma medida que entra em contradição com o que ocorre na maioria dos países da UE (ver quadro). Foi uma medida totalmente populista e em nada contribuiu para melhorar a Escola Pública. Os efeitos negativos foram muito superiores às vantagens obtidas com esta medida. Quem está nas escolas sabe que muita da indisciplina e violência que ocorre tem como protagonistas alunos que, pela antiga lei, já estariam fora da escola. Agora é vê-los, muitas vezes, a continuarem na escola para além dos 18 anos de idade em cursos do ensino profissional a fazerem de conta que estudam.
O pior é que não me acredito que haja algum governo que tenha a coragem de mudar a lei. Faz-me lembrar as vilas que há uns atrás passaram a cidades e que, agora, depois do êxodo rural e quase sem população mais parecem umas aldeias, mas continuam com o estatuto de cidade. Não há coragem política. O mesmo se passa com a escolaridade obrigatória. Precisamos de um Ministro da Educação que tenha a coragem de "ressuscitar" a antiga lei da escolaridade obrigatória. Esperemos sentados, não é?