Prosseguindo com a análise da proposta do ME para o novo Estatuto da Carreira Docente, centremo-nos em dois dos pontos mais controversos da referida proposta ministerial: a progressão na carreira e a avaliação do desempenho individual do professor.
O artigo 38º da proposta do ME indica que a progressão na carreira docente "depende da permanência de seis anos no escalão imediatamente anterior, computados como tempo de serviço efectivo em funções docentes, com avaliação do desempenho de, pelo menos, de Bom, e ainda da frequência, com aproveitamento, de módulos de formação contínua equivalentes, no mínimo, a 25 horas anuais, durante aquele período". Poderia concordar inteiramente com este ponto caso não viesse a existir a política de quotas que se prevê para a atribuição de menções de Bom, o que a ser verdade irá alterar a expectativa de muitos docentes em poderem progredir na carreira.
No entanto, a verdadeira armadilha surge quando aparecem as condições para se poder chegar à categoria de professor titular. Por um lado, não se dá a conhecer o número de vagas postas a concurso anualmente para aqueles que se queiram candidatar a professor titular; por outro lado, a fixação de dezoito anos de carreira como condição mínima para se poder almejar a ser professor titular faz pensar que muitos docentes, face às restrições impostas para a subida de escalão ficarão "presos" ao terceiro escalão, com sérias dificuldades de progredir na carreira. A lógica de prestar provas perante um júri regional, tal como vem descrito no artigo 39º, com a presença de professores universitários dá a imagem de alguma subserviência do ensino não universitário perante o universitário...
Mas, é no que respeita ao processo de avaliação do desempenho dos professores que encontramos algumas das questões mais pertinentes. Ponto assente é o de que urge alterar por completo o actual processo de avaliação do trabalho docente... Mas, ao menos que fosse para elevar de forma credível o nível de exigência do mesmo e não para aumentar os processos burocráticos, como vem referenciado no artigo 45º da proposta ministerial com o preenchimento de fichas e mais fichas... Atente-se depois ao artigo 46º, onde se prevê como items de avaliação, entre muitos outros aspectos, os resultados escolares dos alunos, as taxas de abandono escolar e a apreciação realizada pelos pais dos alunos em relação à actividade lectiva (é o que vem na proposta) dos docentes. Ora, como é que se pode colocar no mesmo saco de avaliação as realidades de escolas díspares, com condições diferentes e "públicos" diversos? É que não é nada fácil leccionar e ter bons resultados numa escola de um meio social problemático, onde impera o desemprego e a falta de prespectivas na população estudantil!!! Quanto à intervenção dos pais, penso que a mesma poderia ser ponderada, mas apenas para os pais que demonstram interesse pela vida escolar dos seus filhos e que não esquecem que, também eles, devem contribuir para a formação cultural dos mesmos. É que não podemos só falar em direitos dos pais e esquecer os deveres que lhes são devidos e exigidos... Mas, teria que haver muito cuidado naquilo que se perguntaria aos pais, a fim de que os docentes não fiquem reféns das opiniões dos pais... No mesmo artigo define-se que a observação de três aulas do docente deve ser feita pelo coordenador de departamento curricular, pelo que deixo a questão: quem observa as aulas do coordenador de departamento curricular???
No póximo artigo continuarei com a análise da proposta ministerial. Aceitam-se contributos...
6 comentários:
«No mesmo artigo define-se que a observação de três aulas do docente deve ser feita pelo coordenador de departamento curricular»» O departamento a que pertenço tem 30 professores. Isto obrigará o futuro coordenador a observar 90 aulas por ano. Não será um pequeno exagero? Afinal, espera-seque este coordenador continue a dar aulas, acompanhe os colegas em «ano probatório», faça mil e um relatórios... o pobre também há-de precisar de comer e dormir, não?
Miguel,
Podemos discutir métodos e critérios de avaliação. Mas não te parece que a 40% dos professores falta vocação e que 60% deles têm uma prestação mediana?
Se concordas comigo, que sentido fará abrir a escalões a cima do 3º?
Na proposta de alteração do E.C.D. pode ler-se:
(...)
Coordenador de departamento/conselho de docentes avalia:
- Preparação das actividades lectivas. Documentos de planeamento a longo, médio e curto prazos; Outros instrumentos de trabalho.
- Realização das actividades lectivas
Observação através de assistência a aulas; Consulta de plano diário do docente
- Avaliação das aprendizagens
Consulta dos instrumentos de avaliação
Apreciação da correcção/verificação efectuada desses instrumentos.
(...)
------------------------------
No ponto relativo à avaliação do desempenho docente, estou curiosa em relação a alguns aspectos:
- dado que as aulas passarão a ter um carácter assistencial por parte do coordenador de departamento, os horários do professor assistente e do professor assistido deverão ser coincidentes correcto? Ou haverá no horário do coordenador intervalos de tempo definidos para esta "nova função"?
- Vai avaliar o plano de aula diariamente?! Ao início ou final do dia?!
- Avaliação das aprendizagens?! Segundo os instrumentos de avaliação do professor titular da turma em questão ou através de novos instrumentos construídos para este efeito?
- Cada professor tem a sua metodologia, a sua forma de planificação e postura face à grupo-turma... Como poderá um professor contestar a avaliação do coordenador em caso de discordância?
- Haverá uma grelha com parâmetros de avaliação igual para todos?
- E já agora... Quem vai verificar se tudo isto é cumprido?!
Frederico, perguntas-me se concordo com a ideia de que a "40% dos professores falta vocação e a 60% deles têm uma prestação mediana".
Ora, mais do que considerar valores para a prestação dos mais de 140 000 docentes deste país, claro que concordo com a ideia de que há maus profissionais da educação, tal como existem excelentes professores.
Pela minha curta experiência de 8 anos de serviço em 8 escolas diferentes, tenho a franca ideia de que existem dois grandes tipos de professores: aqueles que se preocupam com a sua formação ao longo da vida profissional e que exercem um excelente trabalho junto dos seus alunos (geralmente os mais novos, com menos de 40 anos de idade) e aqueles que, talvez por já terem muitos anos de serviço e estarem desiludidos com o desprestígio da classe docente, inovaram pouco na sua forma de leccionar e continuam a exercer a sua profissão como o faziam há 20 anos atrás.
Mas, em termos gerais, nestes 8 anos de serviço tenho a ideia de que a maior parte dos docentes (mais de metade) desenvolvem um bom trabalho, talvez demasiado assente nos conteúdos programáticos e não tanto na formação dos alunos. Mas, esta falha deve-se, em grande medida, na extensão e falta de pertinência e de coerência de muitos dos currículos programáticos de muitas disciplinas e anos lectivos. Por exemplo, quem se preocupar em analisar o currículo do 7º ano de escolaridade irá ficar assustado com o elevado número de disciplinas que os alunos têm e a desorganização da sua carga horária.
Enfim, há muitos errosa apontar no nosso sistema de Educação. Uns são devidos aos professores e outros há falta de estratégia da tutela. E, claro, também ao desleixo de muitos pais.
Esta é a minha opinião concisa à questão que me colocas...
Miguel,
Vencido mas não convencido!
Estou afastado do ensino há tempo bastante para discutir a nova vaga de docentes.
Sei que o resultado final é mau, que os professores protestam por tudo menos pela "(...)extensão e falta de pertinência e de coerência de muitos dos currículos programáticos de muitas disciplinas e anos lectivos.", ou quando o fazem, limitam-se a adicionar à lista das reclamações...
Revolta-me que os estudantes de hoje não sabem escrever, mas fundamentalmente que não saibam pensar.
Um abraço
Pois, mas essa expectativa de progressão é que está errada. Não devia nunca ter existido. Ema expectativa de progressão para todos e até ao fim nao existe em organização nenhuma. E se existe, não devia existir. E é esse parto que está a ser difícil e emocional para os professores. Sempre disseram que deveria ser criado um sistema de atribuição de mérito que distinguisse os bons dos muito bons e dos medíocres. O que eu até entendo ser desnecessário. O importante é seriar os docentes e atribuir cotas de progressão a cada escola. Quotas que estariam pré-defenidas e variariam para mais ou para menos, em função da performance da Escola (e não d ecada um) nos exames nacionais...
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