domingo, 27 de janeiro de 2013

O que fazer aos salários dos professores...

Depois de em dois artigos anteriores me ter focado em propostas relativas ao currículo escolar, ao horário docente e à duração das aulas, vou agora debruçar-me sobre um dos temas que mais costuma dividir a classe docente: as remunerações.
A primeira ideia que devemos ter em conta é a de que a imagem que tem passado para a opinião pública é que professores fazem parte de uma classe profissional privilegiada e bem paga. Atente-se no gráfico que surgiu na penúltima edição da revista Visão. Qualquer leitor menos bem informado (que é o que existe mais) fica com a ideia que os professores são bem pagos em Portugal e que entre 2000 e 2010 tiveram um acréscimo salarial de 25%. Este tipo de informação é, como sabemos, totalmente errada, visto que não tem em conta a redução salarial sentida nos últimos dois anos e ignora, por completo, as enormes disparidades salariais de que enferma a nossa profissão. Sim, o que de mais injusto existe nas nossas remunerações centra-se na enorme desigualdade salarial que existe entre docentes...
De facto, o grande problema do regime remuneratório da classe docente actualmente em vigor é, quanto a mim, a sua extrema desigualdade e injustiça, dado que este se baseia, quase em exclusivo, na antiguidade, ou seja, no número de anos de serviço. Ora, já por várias vezes escrevi que, quanto a mim, os vencimentos na nossa profissão se deveriam basear muito mais nas funções exercidas e no mérito de cada um do que nos anos de serviço. Por isso, o salário base deveria ser igual para todos, visto que a tarefa é só uma: ensinar.
Nesta profissão podemos ter casos tão absurdos (apelido-os assim porque, para mim, são de uma incoerência total e não devem ter poucos) como o de ter dois colegas do mesmo grupo disciplinar a exercerem as mesmas funções (apenas lectivas, sem cargos adicionais como coordenador ou diretor de turma) e o que tem poucos anos de serviço, mas que, até podendo ter mais qualificações profissionais como um mestrado, tem mais turmas e mais alunos e, portanto, mais trabalho a ganhar quase menos 800 euros do que o seu colega de grupo disciplinar que, com menos trabalho, aufere muito mais apenas porque já leva 25 ou 30 anos de serviço. Isto, para mim, é de uma injustiça total! Os vencimentos dos professores deveriam ter muito mais em linha de conta as funções exercidas e as diferenças baseadas na antiguidade deveriam ser mínimas.
Para mim, quem ensina deveria ganhar o mesmo, quer tivesse 5 ou 30 anos de serviço. Em alternativa a esta hipótese e, supondo a lógica da antiguidade como factor diferenciador dos salários (o que considero menos justo) dou a conhecer um esboço sintético daquilo que poderia passar a existir:
- reduzir o número de escalões salariais a quatro, sendo que a diferença entre o primeiro e o último não deveria ir além dos 300 euros;
- o primeiro escalão poderia começar nos 1500 euros líquidos, ou seja, cerca de 2000 euros brutos (isto já contando com o fim dos subsídios de férias e de Natal), sendo que por cada subida de escalão haveria um aumento de 75 euros, originando um último escalão de 1800 euros líquidos, ou seja, cerca de 2300 brutos; este aumento salarial pouco substancial deve-se ao facto do aumento da idade já ser compensado pela redução da componente lectiva, pelo que, quanto a mim, não se justifica um acrescento salarial significativo apenas baseado na antiguidade;
Certamente que com estas alterações teríamos uma profissão remunerada de forma mais justa, reduzindo-se substancialmente as desigualdades actualmente em vigor ao nível dos vencimentos pagos na classe docente. Por outro lado, a aquisição de novas qualificações profissionais, como mestrado ou doutoramento, deveria também ser compensada através de um acrescento salarial. É muito mais justo do que estar a basear os salários com base na antiguidade, como se esta fosse uma condição "automática" para um melhor desempenho profissional.
Deste modo, e criando um novo regime remuneratório com base nestes princípios (ou noutros semelhantes) teríamos uma profissão, a nível geral, mais bem paga, visto que os que entram nesta profissão seriam pagos de forma mais justa (1500 euros limpos no início da carreira), enquanto que os que já estão perto do final da carreira e que leccionam muito menos horas que os seus colegas (e muitas vezes às melhores turmas visto que a distribuição de serviço é, muitas vezes, baseada na idade - outra injustiça) não teriam os salários tão inflacionados em relação aos seus colegas mais novos, como ocorre actualmente.
A este propósito volto a mostrar uma tabela que compara os salários dos professores em vários países europeus, tendo em conta os anos de serviço (baseado no estudo da OCDE "Education at a Glance") onde se nota que Portugal apresenta os vencimentos mais díspares entre docentes com 15 anos de serviço e docentes em final de carreira. Atente-se que há dois países (a Dinamarca e o Reino Unido) que não distinguem a nível salarial professores com 15 ou 35 anos de serviço!
A mudança a nível salarial que proponho não poderia ter, certamente, efeitos retroactivos, dado que a nossa CRP não permite tal situação. Assim, os seus efeitos só seriam notados a médio ou longo prazo. Contudo, aqueles que dizem que é injusto que os que entram para a carreira de professor comecem a ganhar logo 1500 euros (como se isso fosse um salário extraordinário para um professor!) deviam lembrar-se que injusto é o que temos agora (salários díspares para funções iguais) e que a redução do número de professores que se avizinha devia ser compensada por um melhor salário, pelo que as despesas para o Orçamento de Estado com vencimentos até iriam diminuir...

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Há que continuar o debate. O que alterar nos horários dos professores...

Como sabemos, no relatório do FMI é dito, na página 33 que "não há nenhuma razão para os funcionários públicos terem uma semana de trabalho mais reduzida que a maior parte do sector privado (40 horas)", o que deixa antever que também na Educação se prevê que a semana de trabalho dos docentes seja alargada das actuais 35 horas para as 40 horas.
A questão que se coloca é em que termos deve ser feito este alargamento do horário semanal dos professores. O debate, quanto a mim, não deve incidir sobre se se deve ou não aumentar o horário de trabalho para as 40 horas (esse debate seria contraproducente e levaria a opinião pública a ter a imagem de que os professores são uns privilegiados), pelo que as propostas devem avançar no sentido de perceber de que forma é que deve ser feita a aplicabilidade desse aumento do horário semanal de trabalho.
Assim, tendo em conta que cada uma das disciplinas não deveria ter menos do que 4 horas semanais (o que pressupõe a realização de uma revisão curricular, com maior incidência no 3º ciclo do ensino básico), teria que se certificar que:
- cada professor que tivesse a seu cargo mais de dois níveis de ensino, deveria ter direito a uma redução da sua componente lectiva de duas horas, também destinadas a apoio aos alunos com maiores dificuldades.
Com estas duas alterações, o aumento do horário de trabalho lectivo de 22 horas para 24 horas seria contrabalançado por duas excepções à lei que iria beneficiar os docentes com maior número de turmas e alunos.
Outra questão que se coloca é a de saber qual o tempo ideal de uma aula. O FMI propõe que uma aula poderia ter 60 minutos. Contudo, o argumento utilizado pelo FMI não é o da procura do sucesso escolar, mas sim o de, desta forma, se reduzir a massa salarial dos docentes. Mais uma vez, o argumento economicista. Abordagem errada, do meu ponto de vista.
Nos 15 anos de serviço que levo, já tive aulas com tempos de 50, 60 e 45 minutos. Em termos pessoais prefiro aulas em blocos de 2 tempos (90 minutos), visto que permitem que a abordagem prática nas aulas (realização de fichas formativas, elaboração de mapas, gráficos e outros trabalhos de investigação, etc.) seja concretizada. Não gosto das aulas de 45 minutos, porque, muitas vezes, em termos práticos se resumem a pouco mais de 30 minutos, dado o tempo que se perde na entrada, preparação e fim das aulas. Assim, preferia que, adoptando o pressuposto de que nenhuma disciplina deveria ter menos de 4 tempos semanais de 45 minutos cada, penso que as aulas deveriam ter, regra geral, 90 minutos, equivalentes a duas horas lectivas.
Estas alterações nos horários docentes poderiam levar a um menor recrutamento de professores, mas de forma pouco significativa e, apesar de acrescentar um pouco mais de trabalho individual (pelo aumento de duas horas das cinco a acrescentar), na prática apenas alguns professores sentiriam na pele esse acrescento de duas horas, já que quem tivesse um maior número de turmas e alunos teria direito a uma redução da sua componente lectiva.
Finalmente, em relação à redução da componente lectiva por antiguidade (expressa no art.79º do ECD) esta concretiza-se, actualmente, a partir dos 50 anos de idade (duas horas de redução), aos 55 anos (mais duas horas) e aos 60 anos (mais quatro horas), o que, perto do final da carreira, pode efectivar-se num total de oito horas de redução, a acrescentar, muitas vezes, a outras reduções resultantes de cargos de coordenação ou de direcção de turma. Ou seja, temos colegas que leccionam 14 horas por semana, o que, manifestamente, me parece muito pouco, tendo em conta que, muitas vezes, são aqueles que ficam com as melhores turmas. Assim, apesar de concordar com a redução da componente lectiva, dado o desgaste físico e mental da nossa profissão, penso que cada professor não deveria ter menos de 16 horas lectivas semanais, pelo que os cargos deveriam ser distribuídos de forma mais sensata, evitando-se a situação de termos colegas com uma multiplicidade de cargos (coordenação de departamento, direcção de turma, coordenação de diretores de turma, entre outros). Assim, ao contrário da proposta do FMI, julgo que a redução da componente lectiva se deve manter, mas definindo um mínimo de componente lectiva de 16 horas para os colegas mais velhos.
- aumentar o horário dos docentes para as 40 horas semanais, definindo um máximo de 24 horas de componente lectiva, mas assegurando uma redução de duas horas para os docentes com um elevado número de turmas, alunos ou níveis de ensino;
- estabelecer blocos de aulas de 90 minutos, que equivaleriam a duas horas lectivas, pelo que cada professor teria no máximo 12 blocos de aulas por semana, reduzidas a 10 blocos no caso de ter 6 turmas, mais de 150 alunos ou mais de dois níveis de ensino;
- manter a redução da componente lectiva nos actuais moldes (art. 79º do ECD), mas com a definição de um mínimo de 16 horas lectivas no caso dos colegas com mais anos de serviço.
Com estas propostas, certamente que a qualidade do ensino ministrado não sairia prejudicada e a redução no número de professores necessários ao sistema seria mínima.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

E que tal começarmos a debater propostas? Mudar a matriz curricular...

Desde que o relatório do FMI foi dado a conhecer que a grande maioria da blogosfera educativa se tem resumido a apresentar os erros, falhas e omissões que as propostas do FMI comportam (e estas não são poucas, nomeadamente ao nível da actualização dos dados, já depois dos cortes aplicados no último ano lectivo).
Contudo, o debate peca por escasso, dado que o debate sério e útil deve ter em conta dois pressupostos: por um lado, interessa desconstruir as propostas das quais discordamos, enunciando as suas desvantagens, injustiças ou erros, mas também (e mais importante), há que avançar com propostas alternativas que permitam a redução da despesa com a Educação (necessidade que todas as instâncias internacionais consideram inevitável), sem que isso implique diminuir a qualidade do ensino ministrado. De outra formas ficamos a falar só entre nós, professores, e esquecemo-nos que a opinião pública fica com enormes dúvidas sobre se há ou não gastos a mais na Educação...
Escrevo isto porque a imagem que vai passando para a opinião pública não ligada à educação é a de que, efectivamente, há professores a mais no sistema público de educação. Basta analisar o gráfico que a revista Visão coloca esta semana em grande destaque para perceber que a ideia que as pessoas vão tendo é a de que talvez haja docentes a mais. Claro que não são dezenas de milhares de professores a mais, como é referido no relatório do FMI, mas talvez não seja descabido dizer que as benesses e regalias concedidas ao longo de tantas décadas à classe docente deu nisto: o rácio alunos/professor no ensino básico mais baixo dos países da OCDE.
Seria bom que todos aqueles que estão envolvidos na educação não imitassem o PS e se comprometessem com propostas concretas alternativas em relação às ideias que tanto criticam. Vou dar apenas alguns exemplos daquilo que considero que se pode fazer no sector da Educação (no pressuposto que é feito a médio e longo prazo e não de um dia para o outro) com vista a reduzir as despesas com a Educação, sem prejudicar o ensino ministrado.
Hoje avanço com uma proposta de que já falei várias vezes: avançar para uma verdadeira reforma do currículo escolar, que implique que, sobretudo no 3º ciclo do ensino básico, não existam disciplinas que tenham menos de dois blocos semanais. Claro que algumas disciplinas poderiam ver reduzido um tempo, por ciclo de ensino, na sua carga horária semanal, mas os efeitos dessa redução, em termos da diminuição do número de horários docentes, seriam mínimos.
Combater a dispersão curricular é uma necessidade mais que urgente, pois quem é professor sabe muito bem das dificuldades que existem quando tem aulas com uma determinada turma apenas uma vez por semana. Assim, mais vale que, por exemplo no 3º ciclo do ensino básico, uma dada disciplina apenas exista em dois anos de escolaridade, com mais horas em cada um deles, do que continue a existir nos três anos do 3º ciclo, mas com apenas um bloco semanal por ano de escolaridade. Esta medida teria óbvias vantagens para alunos e professores: os alunos teriam um acompanhamento mais regular com a disciplina, o que fomenta o sucesso escolar, enquanto que para os docentes daria a oportunidade destes terem as mesmas horas lectivas, com menos turmas e menos alunos, o que também possibilita o sucesso no ensino.
Um exemplo concreto. Na escola onde lecciono, a disciplina de Geografia tem no 3º ciclo do ensino básico uma carga horária semanal de 8 tempos distribuídos da seguinte forma: 3 tempos no 7º ano; 2 tempos no 8º ano e 3 tempos no 9º ano. Ora, esta distribuição dos tempos obriga a que um professor de Geografia que só tenha ensino básico, sem direção de turma, tenha de ter cerca de 10 turmas para ter o horário completo. Ora, se a disciplina de Geografia tivesse 4 tempos no 8º ano e outros 4 tempos no 9º ano (acabando-se com a Geografia no 7º ano), a carga horária semanal da disciplina mantinha-se intacta no 3º ciclo do ensino básico (os mesmos 8 tempos), os alunos teriam um contacto mais assíduo e regular com os conteúdos leccionados e os professores teriam menos turmas a seu cargo, sem que isso implicasse uma grande redução do número de docentes necessários ao sistema de ensino. A matéria seria leccionada na mesma, mas em vez da disciplina ser trienal, passaria a bienal, sem comprometer o sucesso escolar. Por outro lado, deixaríamos de ter Conselhos de Turma com dez ou mais professores reunidos para vinte e tal alunos...
A medida poderia ter óbvias vantagens para um conjunto alargado de disciplinas: Geografia, História, Ciências Naturais, Ciências Físico-Químicas, Inglês, Francês, entre outras, sem que isso implicasse que o horário dos alunos tivesse de ser alargado. Aliás, esta proposta já existiu há cerca de 10 anos atrás. Lembro-me que Geografia só existia nos 7º e 9º anos, mas com mais horas em cada um desses anos de escolaridade.
Esta é daquelas medidas que poderia implicar menos gastos (poderia dar lugar à contratação de menos professores, mas num número muito ligeiro quando comparado com os milhares de que tanto se fala), ao mesmo tempo que proporcionaria o desenvolvimento de um melhor ensino.
Haverá argumentos que contrariem, de forma séria, esta proposta de alteração da matriz curricular das disciplinas no ensino básico? Recorde-se que estas propostas têm de ser dadas a conhecer à troika no final de Fevereiro e que começarão a ser aplicadas já no próximo ano lectivo. Que ninguém faça como o PS (que assobia para o lado e não dá alternativas) e avancemos com propostas concretas. Num próximo artigo, darei a minha opinião sobre o que alterar ou não nos horários dos professores e nos tempos das aulas.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Sobre a notícia de que a redução da componente lectiva vai acabar

Na última sexta-feira o principal tema de conversa na sala de professores da minha escola teve que ver com a notícia que vinha na capa do Diário Económico.
O jornal escrevia "Governo vai acabar com horários reduzidos dos professores". Ainda antes das 8.30H, ao chegar à sala de professores, ouviram-se vozes de indignação e raiva, sobretudo dos colegas mais velhos, em relação a esta notícia. Foi o principal tema de conversa ao longo de todo o dia...
Ora, como já anteriormente escrevi sobre o assunto, convém esclarecer o que penso sobre a possibilidade, necessidade e utilidade ou não de se acabar com as reduções da componente lectiva. Isto para não me virem acusar de defender as propostas do FMI...
Antes de mais, não acredito que a redução da componente lectiva acabe para os colegas que dela já usufruem. Por outro lado, penso que o que vai acontecer é uma alteração da actual legislação em vigor que afectará os que ainda poderiam vir a usufruir dela no futuro. Por outras palavras, julgo que a redução da componente lectiva continuará a existir, embora com um máximo de 2 ou 4 tempos, e apenas para os colegas que ainda não têm qualquer redução da sua componente lectiva. Os que dela já usufruem continuarão a usufruir. Mas, isto é o que penso que vai acontecer.
Aqueles que afirmam que não deve existir na lei qualquer redução da componente lectiva para professores (exemplo do antigo Ministro da Educação Couto dos Santos) não sabem o que é leccionar.
Agora, quero esclarecer que assim como discordo da ideia de se acabar com a redução da componente lectiva, também discordo que a diferença salarial entre um colega com 10 anos de serviço e outro com 35 anos de serviço seja tão elevada como a que temos actualmente: pode chegar aos 800 euros! Chamo a isto uma dupla-compensação com a qual discordo totalmente. Se há 15 anos atrás, quando comecei a leccionar, discordava da enorme diferença salarial existente entre um colega do 1º escalão e um do 10º escalão, o mesmo penso agora e, de certeza, que pensarei de igual forma daqui a 15 anos. E abordo a questão salarial porque a considero relevante quando se discute o direito à redução da componente lectiva. Por isso, vou esclarecer de vez o que penso sobre o que fazer com esta dupla-compensação.
A minha proposta seria a seguinte: a diferença salarial na classe docente deveria ser no máximo de 200/250 euros, visto que a função profissional de um colega em início de carreira e outro em fim de carreira é a mesma. Ambos leccionam: é a sua tarefa principal. Poderiam existir complementos salariais para quem tivesse cargos acrescidos, como já existem para quem está em cargos de direcção. Daí que defenda uma diminuição drástica da desigualdade salarial actualmente em vigor.
Resumindo:
- discordo que se acabe com a redução da componente lectiva;
- defendo que a desigualdade salarial para a mesma função profissional deve ser muito inferior à que existe actualmente;
- aceito que haja a possibilidade de "trocar" a redução da componente lectiva por um acréscimo salarial.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Um relatório com propostas irrealistas (e algumas delas absurdas)...

O relatório do FMI com a indicação de propostas visando severos cortes nas despesas do Estado não passa do enunciar de um conjunto de ideias disparatadas (tal e qual como estão discriminadas) que jamais poderão ser aplicadas. Isso seria o mesmo que "matar" o serviço público de Educação e este tem de ser defendido...
- redução de 14000 trabalhadores na Educação, entre professores e pessoal administrativo já no ano lectivo 2013-14;
- indicação de 30000 a 50000 professores para a mobilidade especial;
- aumento do horário semanal e possibilidade de alterar o tempo de duração das aulas.
Ora, estas propostas tal e qual como são apresentadas, nomeadamente as duas primeiras, são simplesmente um absurdo. Mas, não nos iludamos! Os cortes irão avançar, não nestas proporções, mas o próximo concurso geral de professores trará novidades que levará a uma menor contratação de docentes. Daí que o ME tenha avançado com a ideia de efectivar 600 docentes contratados, para depois reduzir substancialmente a entrada de mais contratados. Assim, o que me parece que vai ocorrer não é o despedimento de 14000 funcionários docentes e não-docentes, mas sim a redução do número de contratados. A continuação da política de agregação de escolas implica a necessidade de menos pessoal...
Quanto à mobilidade especial, parece-me mais que óbvio que, apesar de sermos o país da OCDE com maior rácio professores/alunos (os dados da OCDE indicavam no último relatório de 2012 um valor de 112 professores por cada 1000 alunos, quando a média da OCDE é de 75) indicar entre 30000 e 50000 para a mobilidade especial é um completo disparate. Mas, atenção: acredito que tenhamos no próximo concurso novas regras de destacamento (por ausência de componente lectiva) que poderão obrigar os professores a terem de concorrer para mais longe das suas escolas de provimento. Daí a dizer-se que serão despedidos 50000 professores vai uma grande distância. Se isso acontecesse o sistema público de Educação implodiria...
O aumento do horário semanal parece-me outra inevitabilidade. Agora, é, no mínimo, sensato que isso não implique um aumento do horário lectivo e que as 2 ou 3 horas que teremos a mais sejam inseridas na componente não lectiva.
Não sejamos ingénuos. Os cortes da Educação ainda não acabaram e o que aí vem não será agradável para ninguém. Os erros feitos no passado, engordando um Estado que se tornou num autêntico monstro despesista, levou a que as instâncias internacionais vejam em Portugal um país que tem um sistema de educação público com professores a mais, alguns deles privilegiados na relação salário/tempo lectivo (os que estão no topo da carreira) e que obriga à implementação de cortes.
Acredito que Nuno Crato irá analisar bem o relatório e perceber que o tipo de cortes que o relatório avança são excessivos. Mas, também acredito que ainda não chegámos ao fim dos cortes na Educação.
Interessa é que não se avance com a ideia de reforçar os contratos de associação com os privados ao estilo do grupo GPS, visto que a Escola Pública deve ser defendida com "unhas e dentes". Nada justifica que os contratos de associação sejam uma substituição à Escola Pública...
Interessa também desmistificar a ideia de uma classe privilegiada (alguns poderão sê-lo - os dos últimos escalões e aqueles que se reformaram com cinquenta e poucos anos, mas por causa de alguns, não podem todos ser apontados como privilegiados).
E interessa ainda ter em linha de conta que eventuais medidas de austeridade que ainda venham a caminho (como o aumento do horário semanal, o reforço da agregação de escolas ou as alterações no currículo, entre outras) não devem reduzir a qualidade do ensino, nem prejudicar os alunos.
Enfim, é bom que haja um pouco de serenidade no debate. A este nível, a auto-exclusão do PS no debate das propostas é de criticar. E não nos esqueçamos que o relatório é do FMI (habituado a propostas drásticas e pouco sensatas) e que, certamente, a sua aplicabilidade ficará muito abaixo do que é agora avançado pela comunicação social...

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

As vantagens da concentração curricular

No último artigo dei conta do número de professores por cada 1000 alunos que consta do relatório da OCDE "Education at a Glance". O indicador revelou-se como surpreendente para muitos dos que aqui costumam vir dar uma vista de olhos. Alguns não se acreditaram (e pelos vistos continuam a não acreditar) que Portugal possa ter no ensino público uma média de 112 professores por cada 1000 alunos. Chamei a atenção que um dos factores responsáveis por este rácio professor/1000 alunos (o maior dos países da OCDE) é a enorme dispersão curricular que existe no nosso sistema educativo, nomeadamente no 3º ciclo do ensino básico.
A situação torna-se mais grave nas disciplinas com bloco ou bloco e meio semanal e, sobretudo, quando o docente não tem cargos como o de Director de Turma ou outros e quando não tem redução da componente lectiva. Nestes casos, há muitos professores que chegam a ter 10 turmas (quase 300 alunos) para poderem ter o horário completo.
O quadro que agora apresento tem o rácio professores/alunos por nível de ensino. Ora, fica bem patente que a situação mais compliacada ocorre nos 7º, 8º e 9º anos de escolaridade, onde a enorme dispersão curricular origina algo que muitas acreditavam não ser possível: uma média que não chega aos 8 alunos por professor. Muitos poderão questionar-se: "Como é isso possível quando temos tantos professores com mais de 150 alunos?". A razão é muito simples de perceber: enquanto continuarmos a ter tantas disciplinas nestes anos de escolaridade (chega a haver conselhos de turma com mais de 12 professores, que podem chegar aos 15 quando têm a presença dos professores do ensino especial e dos apoios!), o número de docentes afectos a estes anos de escolaridade é tão elevado, comparado com o que se passa nos outros países da OCDE, que a média dará pouco mais de sete alunos por professor. Quem lecciona ao 3º ciclo compreende a gravidade desta situação...
- por um lado, cada professor teria a seu cargo um menor número de turmas e, consequentemente, menos alunos, dado que deixaria de haver disciplinas com um bloco semanal, pelo que, certamente, facilitaria todo o seu trabalho lectivo;
- por outro lado, os alunos poderiam ter um melhor sucesso escolar, dado que teriam menos disciplinas por ano de escolaridade e estariam em contacto, pelo menos, duas vezes por semana com cada uma das disciplinas, situação que facilitaria o processo de aprendizagem dos alunos, visto que um contacto mais frequente dos alunos com as matérias facilita a sua compreensão.
Assim, considero que uma revisão do currículo dos 7º, 8º e 9º anos de escolaridade constitui uma das medidas mais importantes para que o 3º ciclo do ensino básico deixe de apresentar um tão elevado peso de retenções de alunos.
Isto não quer dizer que se deve acabar com algumas disciplinas. A carga lectiva global das disciplinas até se pode manter. O que deve mudar é a sua distribuição ao longo dos anos. Concentrar as matérias a leccionar em 2 anos de escolaridade, em vez de nos actuais 3 anos de escolaridade do 3º ciclo, só trará vantagens para professores e alunos. Uma situação muito semelhante à que já ocorre em muitas disciplinas dos cursos de ensino regular do secundário...
Só mais uma curiosidade: segundo o relatório da OCDE temos o segundo rácio mais baixo alunos/professor no ensino primário (cerca de 11 alunos por cada professor do 1º ciclo), enquanto que no ensino secundário Portugal está próximo da média dos países da OCDE (cerca de 15 alunos por cada docente do secundário).

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Fazer melhor com menos...

Este post é dedicado a todos aqueles que ainda não perceberam que é possível fazer-se melhor com menos. É tudo uma questão de se apostar numa boa e correcta gestão dos recursos existentes. Apostar naquilo que muitos outros países fizeram…
Como bem sabemos este vai voltar a ser um ano de cortes na área da Educação. E quando falamos em cortes é claro que estes irão incidir sobretudo e, uma vez mais, nos recursos humanos ou, por outras palavras, no número de professores e pessoal não docente necessário às escolas.
Há quem diga que Portugal não tem professores a mais. Aliás, até há quem diga que temos professores a menos! Contudo, muitos dos que fazem esta afirmação não a fundamentam com dados estatísticos. Ora, seria importante que consultassem a página 453 do relatório da OCDE “Education at a Glance”, onde é possível comparar a relação entre o número de professores e alunos nos vários países da OCDE.
Consultando a tabela de referido relatório ficamos a saber que no ano 2010 Portugal tinha, no ensino público, uma média de 112 professores por cada 1000 alunos. A média da OCDE situava-se nos 74 professores por 1000 alunos e nenhum país apresentava um tão elevado número de professores como Portugal. Aliás, acima dos 100 professores por cada 1000 alunos só mesmo Portugal e o Luxemburgo.
Ora, convém não esquecermos que em 2010 já tínhamos sentido os efeitos restritivos da política educativa de Maria de Lurdes Rodrigues. Mas, vamos aos números que muitos não gostam de analisar (ou apenas analisam quando lhes convém na defesa das suas teorias).
Entre 2000 e 2010 o número de alunos no ensino público em Portugal aumentou dos 1 561 262 para os 1 581 049, isto com o acréscimo dos alunos das Novas Oportunidades, pois descontando estes o número até seria inferior. No mesmo período, o número de professores passou dos 146 040 para 140 684. Apesar desta redução verificada no número de docentes, Portugal continuou a apresentar a relação professores/1000 alunos mais elevada dos países da OCDE.
Ora, olhando para estes números, Gaspar e Crato devem estar a preparar a forma de reduzirem o número de professores, aproximando a média de Portugal da média da OCDE. Sabendo-se que os professores do quadro representam cerca de 70% do total de professores do ensino público, parece-me mais que óbvio que é no número de professores contratados que Nuno Crato vai cortar. Mas, não basta esperar pela aposentação dos mais velhos! Há outras medidas complementares que devem ser tomadas...
Claro que há quem diga que os professores portugueses já estão açambarcados de turmas e de alunos. Há professores que têm dez turmas, de vários níveis, o que pode totalizar mais de 200 alunos e, consequentemente, um conjunto de tarefas (correcção de testes, preparação de aulas, etc.) que tornam difícil a realização de um trabalho de qualidade. É verdade, mas isso deve-se ao facto de muitas disciplinas terem uma carga horária semanal muito reduzida. Assim, torna-se urgente que se aplique uma verdadeira reforma do currículo escolar, para que se evite continuarmos a ter disciplinas com apenas um bloco semanal, o que obriga a que um professor chegue a ter mais de 10 turmas…
Assim, quando digo que é possível termos uma melhoria da qualidade do ensino com menos professores, digo-o no pressuposto de que para que o sucesso educativo ocorra torna-se imprescindível que se efective uma verdadeira mudança no currículo escolar, sobretudo ao nível do 3º ciclo do ensino básico, onde os alunos podem chegar a ter mais de 10 disciplinas por ano, uma enormidade, que constitui um verdadeiro obstáculo ao sucesso dos alunos…
A redução do número de professores (algo que, quer queiramos quer não, irá acontecer futuramente – basta analisar a tabela do relatório a da OCDE!) irá ocorrer à medida que a política de agregação de escolas continuar a aprofundar-se e se concretizar uma profunda reforma curricular que evite a dispersão de disciplinas que ainda hoje temos presentes, sobretudo nos anos do 3º ciclo de escolaridade. Só assim é possível termos melhores resultados escolares com menos professores...
Portanto, em jeito de conclusão, direi que a vida dos colegas contratados não estará nada fácil nos próximos anos. Com uma média de cerca de 112 professores por 1000 alunos (a média mais elevada dos países da OCDE), parece-me claro que o Governo irá continuar com a política de redução do número de professores. Será esta uma das medidas a aplicar ao nível dos 4 mil milhões de euros que Portugal terá de cortar nas despesas sociais.
Claro que o mais fácil é criticar a medida. Claro que ninguém gosta que se corte na sua área profissional. Os professores dizem que se deve cortar nos militares. Os militares dizem que se deve cortar nos polícias. Os polícias dizem que se deve cortar nos tribunais. Os que trabalham nos tribunais dizem que se deve cortar nos professores. E não saímos disto… Cada um defende a sua capelinha e ninguém tem uma visão de conjunto!
Esperam-nos tempos difíceis. E, sabendo nós que há cerca de 100 000 professores do quadro e cerca de 40 000 contratados, certamente que estes últimos serão os mais afectados.
Quanto à qualidade do ensino por via da alteração das regras da distribuição de serviço (aumento do limite máximo do número de alunos por turma e aumento da componente lectiva) apenas direi que uma gestão mais equilibrada e justa dos recursos humanos poderia evitar muitos desequilíbrios e injustiças ainda existentes nas nossas escolas. Só um exemplo: enquanto continuarmos a ter escolas em que a distribuição de serviço se faz por escolha dos próprios docentes, respeitando a antiguidade, e não por via da qualidade dos mesmos, continuaremos a ter as “piores” turmas a serem destinadas para os colegas mais novos, enquanto que as “melhores” turmas ficarão a cargo dos professores com maior antiguidade, quando a lógica deveria indicar o oposto: as turmas mais “difíceis” para os que têm mais experiência… Basta pensar quem é que geralmente fica com as turmas PCA`s, CEF`s e profissionais e quem fica com as turmas de elite!
Mas, continuo a dizer: uma política de redução do número de professores deverá ser feita em conjunto com uma reforma do currículo escolar, e não apenas baseada na política de agregação de escolas e da aposentação dos colegas em final de carreira...
Quanto à questão que alguns defendem de que a redução do número de professores deve ser feita à custa do aumento da carga lectiva dos docentes e de um novo aumento do número de alunos por turma (como defendeu o antigo ministro Couto dos Santos) penso que é um disparate. Bastará continuar com a política de agregação de escolas e aplicar uma profunda reforma curricular (o que tivemos até agora foi quase nada) para que, com uma melhor gestão escolar (condição imprescindível), possamos ter melhores resultados escolares, apesar de termos de contar, no futuro, com um menor número de professores no ensino público...
Espero que agora os mais distraídos já tenham percebido as razões que levaram a que este Governo tenha feito os cortes que fez ao nível do recrutamento de professores ao sistema público de educação. Agora há que esperar por um profunda reforma curricular de forma a evitar que um aluno tenha dez ou mais disciplinas num só ano de escolaridade e que um professor tenha a seu cargo mais de oito turmas e duzentos alunos... Acabar com a dispersão curricular ainda existente é uma urgência!