sábado, 15 de fevereiro de 2014

A autonomia escolar: um presente envenenado...

Nuno Crato iniciou, há quase três anos atrás, as suas funções governativas tendo como um dos seus grandes anseios a chamada "implosão da 5 de Outubro" ou, dito doutra forma, a redução do dirigismo e da burocracia provenientes do poder central. Contudo, no dia-a-dia da labuta escolar, a burocracia continua a ser uma realidade...
Desde o início do seu mandato que Nuno Crato referiu que o reforço da autonomia das escolas, tanto pedida por estas, seria concretizada no seu mandato. Pois bem, se bem o disse, assim o fez. Pelo menos a julgar pelo aumento do número de escolas com quem o MEC assinou contratos de autonomia e que, agora, teve o seu "apogeu" com as anunciadas alterações legislativas que visam dotar as escolas de maior autonomia no que concerne à organização dos currículos escolares e à maior liberdade na escolha dos professores.
O que dizer, então, deste tão famigerado "vendaval" de autonomia escolar? Pois bem, se tivéssemos num país onde os interesses pessoais, as cunhices e os amiguismos fossem riscos facilmente arredados da realidade escolar por mecanismos de controlo e de inspecção superiores, diria que nada melhor do que a autonomia para melhor servir os interesses daqueles a quem a escola se dirige: os alunos. Mas, infelizmente, vivemos num país onde o reforço da autonomia tem vindo, sucessivamente, a ser sinónimo de compadrio e de partidarice (vejam-se os casos das autonomias regionais, das autarquias, das empresas municipais e de tantos outros cargos da administração pública que têm como primeiro critério de selecção o cartão partidário) estamos mais do que conversados. Aliás, o que tem vindo a público acerca do recrutamento de professores em muitas das TEIP`s deste país, onde os critérios prioritários têm mais que ver com os amiguismos do que com o profissionalismo dos seleccionados, dá a entender que tanta ânsia autonómica por parte das escolas pode ter riscos que em nada abonam em favor dos reais interesses das comunidades educativas locais.
E, depois, ainda temos o resto, que tem que ver com aquilo a que poderíamos chamar como o risco de haver "concorrência" desleal entre escolas. E digo desleal porquê? Porque, tendo em conta aquilo que se sabe sobre muitos destes contratos de autonomia, completamente obcecados pelo sucesso escolar a todo o custo (onde as taxas de sucesso são discriminadas às décimas para todos os anos de escolaridade, sem que se tenha em conta a subjectividade de que se reveste cada turma - como se fosse possível dizer-se, a priori, quantos alunos podem ficar retidos por ano de escolaridade!), o mais certo é termos muitas das escolas deste país a baixarem os seus níveis de exigência, por forma a cumprirem os critérios "negociados" com a tutela. Sim, porque qual será a escola que ao fim dos dois ou três anos que dura o contrato de autonomia não vai querer ficar bem vista aos olhos do MEC? 
E já nem me alongo acerca do que alguns diretores de escola já vieram dizer sobre a procura da especialização das suas escolas. Um chegou a referir que, retirando peso às disciplinas das Humanidades, poderá desde o 5º ano de escolaridade especializar muitos dos alunos da "sua" escola em áreas das ciências exactas como a Medicina. E a formação de base? Não deve ser igual para todos os alunos deste país? Até pode haver especialização, como há, no início do ensino secundário, mas por livre escolha dos alunos e das suas famílias. E, quanto aos alunos a quem, pelos mais diversos motivos (familiares, de origem social, de âmbito cognitivo, etc), o ensino teórico pouco ou nada diz, temos as opções que há muitos anos existem (PCA`s, PIEF`s, CEF`s, vocacionais) que mudam de nome, mas que vão dar sempre ao mesmo: o reforço da componente prática e a redução dos ensinamentos teóricos.
Por isso é que costumo dizer que entre um Estado central, mas que trata todos por igual, e a proliferação de pequenos "estadozinhos" pelo país fora, assentes nos amiguismos, nos interesses, nas cunhices e nas partidarices, prefiro o tal Estado central. Pelo menos assim sabemos que, dirigidos a partir de Lisboa, todos somos tratados por igual... E depois há ainda a tal questão da exigência/facilitismo: com tanta obsessão pelo sucesso dos resultados escolares, o reforço da autonomia escolar pode originar o recurso a estratégias algo duvidosas (maior facilitismo nas avaliações internas, encaminhamento forçado dos alunos menos dotados para os cursos profissionais, banalização do ensino não regular, discriminação das disciplinas tendo por base o seu nível de exigência, etc.) por forma a que se atinjam os resultados pretendidos...