sexta-feira, 11 de julho de 2014

A fraude dos cursos profissionais...


No seu livro "A Sala de Aula", Maria Filomena Mónica dedica um capítulo aos cursos profissionais. Depois de discorrer, a partir de vários depoimentos de professores que dão aulas nestes cursos, sobre a forma errónea como este tipo de ensino foi pensado, desde a estrutura curricular dos mesmos até ao tipo de alunos a que se destinam e à forma como as aulas (não) funcionam, Maria Filomena Mónica termina o capítulo dedicado aos cursos profissionais com uma frase que sintetiza muito bem aquilo que, em termos gerais, os professores que leccionam este tipo de ensino pensam sobre o assunto: cursos mal concebidos e alunos mal-educados.
Efectivamente, a experiência de seis anos consecutivos com turmas do ensino profissional, a acrescentar a tudo aquilo que vou ouvindo de colegas que também leccionam a turmas do profissional, levam-me a concordar, por inteiro, com a síntese apresentada por Filomena Mónica. Quem pensou este tipo de ensino não deve fazer a mínima ideia do tipo de alunos que, regra geral, é "metido" nos cursos profissionais. Sim, digo "metido", porque o primeiro erro tem que ver com a forma como se "guetizou" o ensino profissional, quase que predestinando-o para os alunos que no ensino regular apresentam várias retenções e não aos alunos que, independentemente, dos seus resultados escolares têm maior apetência para o ensino profissional. A forma como muitos alunos problemáticos são conduzidos para o ensino profissional, prometendo-se-lhes o sucesso, independentemente do seu esforço e dedicação, constitui uma autêntica fraude. 
Neste tipo de ensino deveriam estar os alunos que realmente pretendem aprender uma profissão específica e enveredar no mercado de trabalho mais cedo do que aqueles que têm como objectivo o ensino superior. Os outros, aqueles que a escola nada lhes diz, teriam direito ao que sempre tiveram os alunos cheios de retenções até ao momento que os políticos cometeram o maior erro no sistema de Educação deste país (o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos de idade): aos 15 anos deixariam a escola e passariam a fazer parte da mão-de-obra disponível neste país. Mais tarde, quando e caso se apercebessem da falta que lhes faria ter maiores qualificações, voltariam à escola para a modalidade de ensino que sempre houve para este tipo de alunos (o ensino recorrente nocturno).
Mas, os problemas do ensino profissional não têm só que ver com o tipo de alunos que, geralmente, frequenta este tipo de ensino. Já não bastava os alunos serem, regra geral, muito fracos e sem vontade de estudar (e, por isso, também sem vontade de trabalhar), como a organização curricular destes cursos é completamente contraproducente a um bom desempenho escolar: com uma carga lectiva extremamente elevada, de oito horas de aulas por dia, sem folgas e com aulas que terminam mais tarde que as dos alunos do ensino regular, os alunos do ensino profissional vêem as aulas como um autêntico martírio, uma espécie de prisão, dado não terem tardes livres, nem furos no horário, ainda com a agravante das matérias (caso fossem levadas à risca pelos professores) serem de uma exigência que supera, muitas vezes, aquela que é exigida aos alunos do ensino regular. Basta analisar o programa da disciplina de Geografia do ensino regular para os 10º e 11º anos e o da mesma disciplina para o curso profissional de Técnico de Turismo para constatar que quem os concebeu não faz a mínima ideia do tipo de alunos que frequenta o ensino profissional, tal é a complexidade e a exigência que os programas das disciplinas do ensino profissional apresentam. Claro que depois a conversa que os professores ouvem é sempre a mesma: "não compliques", "manda os alunos fazerem uns trabalhinhos", "faz os testes com consulta". Enfim, entra-se na onda do "faz de conta que se ensina", mas na verdade o que interessa é "tomar conta dos alunos".
Claro que pode haver excepções e, por exemplo, nestes últimos seis anos, as turmas que tive do ensino profissional não foram todas iguais. Das quatro turmas que tive, uma quase que se poderia equiparar a uma turma do ensino regular, com alunos que admitiam ter dificuldades de aprendizagem, mas que "davam o litro" na hora de trabalharem. Mas, as outras três turmas eram, efectivamente, compostas por uma larga maioria de alunos sem qualquer vontade de trabalhar, quer fosse em aulas teóricas, como na componente mais prática. E a ideia que se vai generalizando em muitas escolas é muito simples: "temos que manter cá esses alunos e não os podemos deixar ir embora, para termos horários e professores ao serviço". Ou seja, prespassa a clara ideia de que os fins justificam os meios e que, portanto, a exigência e o rigor podem ser esquecidos, porque o que interessa é ter cursos do ensino profissional para ter alunos, pois ter alunos significa ter professores, numa clara concorrência entre escolas do ensino profissional e escolas públicas com ensino profissional.