sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Breve reflexão sobre os temas do encontro das Caldas

Como referi no post anterior, considero que o encontro das Caldas da Rainha, organizado pelos autores de alguns dos blogues de educação mais conhecidos do país, vai ser demasiado dado a unanimismos (o rol de convidados é bem elucidativo disso!), correndo-se o risco de, prevendo-se uma ausência de verdadeiro debate (refiro-me ao confronto de ideias muito diferentes sobre as actuais políticas educativas), desta reunião não sair nada que não seja uma espécie de manifesto anti-Crato.
Dado que não vou ao referido encontro, deixo aqui, muito sucintamente, o meu ponto de vista sobre alguns dos temas que irão ser debatidos.

1. A Vinculação Extraordinária de Contratados - Este é um assunto que, na minha opinião, irá "morrer na praia". De facto, sabendo nós do número de professores do quadro que, neste momento, têm "horário zero", a acrescentar aos que não têm a totalidade de componente lectiva que lhes seria devida (muitos foram retirados do DACL por terem apenas seis horas lectivas, não me parece razoável, nem tão pouco concretizável que se possam vincular professores de forma extraordinária, mesmo sabendo que há colegas contratados com mais de 10 anos de serviço completo. Este argumento é apoiado ainda no facto de muito proximamente ter lugar um novo concurso geral, este sim, a necessitar de reajustamentos importantes em termos de concretização (prioridades, âmbito geográfico do concurso, eficiência, etc.)

2. O Modelo de Gestão Escolar - Como sabemos foi durante o anterior governo que se registaram as maiores alterações em termos de gestão escolar, com a inclusão da figura do Director  de escola e do Conselho Geral, ao passo que o Conselho Pedagógico perdeu grande parte da sua notoriedade e capacidade de intervenção. O actual Governo parece estar satisfeito com a figura do Director e não me parece que venha a recuar nessa matéria. Contudo, seria importante reavaliar as competências e composição do Conselho Geral e do Conselho Pedagógico, por forma a devolver aos professores a sua capacidade de intervenção no destino que se quer dar às escolas. Digo isto porque tenho a ideia que o aparecimento dos Conselhos Gerais trouxe para as escolas muitos dos maus vícios da política, situação que é sobretudo visível nos meios mais pequenos. Por outro lado, importa que os Directores estejam mais dependentes das directrizes emanadas dos Conselhos Pedagógicos (reformulando a composição e competências destes) e menos dos Conselhos Gerais. Ao nível da gestão escolar, importa também aqui abordar a questão relacionada com as agregações de escolas, matéria muito envolta em polémica, constitui uma consequência óbvia das alterações demográficas e geográficas que têm acompanhado o desenvolvimento do país. De facto, com a melhoria das condições de mobilidade (redução das distâncias-tempo) é evidente que não faz sentido continuarmos a ter um número tão elevado de escolas, cada uma delas com a sua própria gestão. Por outro lado, torna-se necessário maximizar recursos e não desperdiçar meios, pelo que considero como natural que escolas de um mesmo concelho se agreguem, sem prejuízo das condições em que estudam os alunos. Assim, não vejo qual a razão que possa impedir que duas ou três escolas de um mesmo concelho se possam agregar, compartilhando espaços e professores, ao mesmo tempo que se unifica uma só gestão, evitando desperdícios de meios financeiros. O mesmo está a ocorrer com os hospitais, os centros de saúde, os tribunais e espera-se que com as freguesias e até concelhos...

3. A Hiper-Burocracia - Esta é já uma velha questão que "mata" as escolas. O problema incide no facto de todos os dias as escolas receberem papelada emanada dos serviços centrais e regionais do Ministério da Educação que obrigam a que se perca muito tempo com a análise de documentos, muitos deles, dispensáveis. Por outro lado, o conjunto interminável de documentos que os professores têm de preencher e elaborar são autênticos castradores do tempo gasto na preparação das aulas. Este é um problema que está directamente relacionado com o tema a seguir abordado e que poderia ter a sua resolução caso as escolas tivessem verdadeiros poderes de autonomia organizacional e pedagógica (situação que muitos esperam, mas que quando é concretizada é alvo de críticas de falta de imparcialidade e de justiça). Não creio que tão cedo nos livremos dos papéis. Temos é de ter a capacidade de não complicarmos as situações mas, infelizmente, é isso que se passa com muitos dos nossos colegas que são mais papistas (complicados) que o Papa. Basta ver como decorrem alguns conselhos de turma para percebermos que ainda há muita gente complicada nesta profissão...

4. A Gestão de Expectativas na Classe Docente - Em tempos de crise severa e sabendo-se que ainda há pouco mais de um ano estávamos à beira da bancarrota, parece-me que este é um tema delicadamente escolhido para, como dizia o outro, "malhar" naqueles que nos governam. Ora, não contem comigo para isso, por uma razão muito simples e que tem que ver um conceito histórico muito fácil de perceber: contextualização. Uma verdadeira gestão de expectativas deve ter em conta o tempo que vivemos. Ora, sabendo nós  das condições lastimáveis em que o país foi deixado há pouco mais de um ano atrás, só faltava que os de sempre viessem falar em "direitos adquiridos", "inexistência de cortes" ou "defesa do Estado Social tal e qual como o conhecemos". Quem queira ver a realidade tal e qual como ela é tem de perceber que a escola pública pode ser preservada, sem prejudicar o sucesso dos alunos, numa lógica de eficiência dos recursos humanos e materiais existentes. Em termos de recursos humanos, creio sinceramente que os professores do quadro não serão colocados em regime de mobilidade especial, mas devem ter a perfeita noção que os tempos do "deixa andar" acabaram. Nada pode ficar na mesma em termos de (des)aproveitamento dos professores do quadro, pelo que é normal que os professores a contratar sejam em menor número e apenas os estritamente necessários ao sistema. Por outro lado, com o número total de alunos a decrescer (em parte devido à baixa natalidade, mas também por via das novas regras da formação de adultos) e o número de escolas a agregar, parece-me claro que a tendência será da procura pelo real ajustamento do número de professores essenciais ao sistema, o que levará, nos próximos anos a que sejam contratados menos professores. E, depois não sejamos dados a ilusões: temos um patrão que esteve à beira da falência, pelo que não me acredito que, nos próximos tempos, haja grandes novidades em termos de ganhos salariais ou descongelamentos salariais. Quando a troika sair, aí sim, poderemos voltar as tempos dos aumentos salariais e das progressões nas carreiras... Já estou como uma colega minha que lecciona numa escola privada: "Dá-te por contente por saberes que não tens o teu emprego em causa". Sim, a grande vantagem de se trabalhar para o Estado (apesar de quase falido) é que, sendo do quadro, não corremos o risco de ficar no desemprego. 

5. A Autonomia e o Centralismo - Outra questão que é demonstrativa do facto da maioria dos professores serem uns eternos insatisfeitos: se impera o centralismo há quem se queixe do Estado quer mandar em tudo; se se opta pela autonomia "Ái que vêm aí as cunhas e os amiguismos". Bem sei que falar é fácil e que o melhor era termos uma autonomia regulada e fiscalizada pelo poder central, mas sejamos claros: a autonomia facilmente se transforma em caciquismo, pelo que entre a autonomia e o centralismo prefiro, sem sombra de dúvida, a assumpção de um centralismo equilibrado e imparcial que não favoreça ninguém.

6. A Gestão do Currículo - Penso que é importante rever os currículos e esta equipa ministerial tem tomado algumas iniciativas no sentido de proporcionar uma gestão mais flexível do currículo, porventura ainda longe da desejada. Mas, também sabemos que, sobretudo no 3º ciclo, continuamos a ter uma dose excessiva de disciplinas, a necessitar de uma profunda reforma. Esta é uma questão em que não se consegue agradar a todos, mas a prioridade devem ser os alunos, pelo que se espera que até final da legislatura se proceda a uma reforma da gestão do currículo que beneficie os alunos em termos, não do quanto se aprenda, mas mais da qualidade e pertinência daquilo que se aprende e realmente é necessário.

Outros temas poderiam ser abordados (a necessidade de mais rigor e exigência na escola, tanto para alunos, como também para professores, os exames nacionais, o ensino vocacional/profissional, a escola inclusiva, o estatuto da carreira docente, a avaliação docente, as formas de representatividade docente). Pena é que na maioria dos blogues de educação que leio apenas seja veiculada a "espuma dos dias", num estilo anti-Crato e que me pareça que muitos dos seus autores ainda não tenham percebido dos tempos difíceis que ainda estão para ficar durante muito tempo (parece que é preciso relembrar muitas vezes que ficámos à beira da falência e que o Estado social, dadas as mudanças demográficas em curso, não pode ficar tal e qual como o conhecemos)...

10 comentários:

Gorgi disse...

Como se costuma dizer: quem sabe, sabe. Não chega dizer mal de tudo e de todos. É preciso saber argumentar e justificar as opções tomadas. O Pedro põe o dedo na ferida. Em tempos de crise é preciso saber ver a realidade de frente. Chega de ilusões que é como muitos professores continuam ver o atual estado das coisas. Aliás parece que muita gente ainda não percebeu o estado a que o país chegou. E depois ainda querem que tudo fique na mesma.

Agnelo Figueiredo disse...

Globalmente correto.
Todavia, não posso deixar de dizer que, num sistema em que o órgão de topo é representativo da comunidade alargada, o conselho pedagógico não poderá deixar de ser um órgão de apoio do diretor. Com um CP hostil, o diretor ficaria emparedado entre as decisões políticas - politica educacional - do CG (e do Governo) e a oposição na sua transposição para o terreno.

Luísa disse...

Conheci o seu blog através de um outro e venho aqui apresentar-lhe os meus parabéns pela sua capacidade de lucidez nas ideias que expressa.
Nos dias que correm não é fácil vermos pessoas que expressam as suas opiniões de forma diferente daquilo que é a opinião mais ouvida.

Tiago Fiadeiro disse...

Não sou professor mas a minha mulher é e, tendo em conta daquilo que me vou apercebendo dos problemas da vossa classe, parece-me que a análise que o Pedro faz está correcta.
Não há classes profissionais totalmente satisfeitas, mas a vossa é daquelas que está sempre insatisfeita. E os vossos sindicatos estão completamente sem crédito. Quanto aos blogs, acho interessante que cada um dê a sua opinião neste tipo de exposição virtual, mas não passa disso mesmo. São desabafos que ficam registados mas que não levam a lado nenhum.

Anónimo disse...

Isto é o que se chama de partidarite ultra-aguda sem perspetivas de melhoria. Você só vê a cor laranja e não consegue contrariar nada que venha do seu partido. Espero que consiga melhorar desse seu problema.

Júlio disse...

Isso é que é falar. O mais certo é lá no encontro das Caldas não aparecer ninguém a confrontar esses blogers com outros pontos de vista que não o deles. É pena que o Pedro não vá lá para lhes fazer ver que nem toda a gente pensa como eles. Mas é sempre mais fácil de se ser ouvido quando se é do contra, não é?

Anónimo disse...

Presunção e água benta cada qual toma a que quer. Você, pelos vistos, toma em excesso.

Zé Morgado disse...

Caro Pedro,
Vai desculpar-me mas não conhecia o seu blogue que achei interessante e estimulante. Gostava de lhe dizer numa pequena nota que vou partipar no encontro das Caldas e não tenho naquilo que vou escrevendo e pensando sobre educação nenhuma agenda que não seja o que considero o interesse dos miúdos ainda que, naturalmente sujeite a discussão o meu entendimento do que será o interesse dos miúdos. Não tenho uma visão corporativa do trabalho dos professores embora sendo professor do superior não me seja alheio. A minha contribuição será a de tentar discutir e não participar num comício, algo que não faço há décadas. Se o evento para aí resvalar, será a primeira e última participação mas escrevo estas notas sobretudo para achar o pré-conceito generalizado um mau conselheiro em termos de ajuizamento. No entanto, até admito que possa ter razão, vou ver. Devo ainda dizer que apesar de uma actividade regular no meu blogue, a falta de tempo não me deixa acompanhar este universo pelo que nem sequer conheço as pessoas que vão participar e nem discuto aspectos da profissão docente no sentido das questões "profissionais". Descupe o espaço ocupado.

Pedro disse...

Zé Morgado,
agradeço as suas palavras e espero que a minha visão pessimista não se concretize e que, de facto, seja possível debater ideias verdadeiramente diferentes sobre as actuais políticas educativas (uma espécie de prós e contras).
Volte sempre...

Anónimo disse...

E trouxeram os respectivos 'souvenirs' de lá, das Caldas!