quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Natalidade, austeridade, alunos e professores. A realidade que alguns não querem ver...

O jornal Público deu a conhecer os números de professores e alunos que estavam no sistema de ensino nos anos lectivos 2010/11 e 2011/12. O número mais relevante tem que ver com o decréscimo verificado no número de professores: no espaço de um ano verificou-se uma redução de cerca de 10 mil docentes (menos 3 mil dos quadros e menos 7 mil contratados). Por outro lado, a redução verificada no número de alunos começa a ser bem notada nos primeiros anos de escolaridade, nomeadamente no 1º ciclo com uma quebra de cerca de 10 mil alunos em apenas um ano...
Cada um trata os números como bem entende: se se quiser saber o peso da redução do número de alunos do 1º ciclo em relação ao número total de alunos a redução é de 0,5%; já se quiser relacioná-la apenas com o total de alunos do 1º ciclo a quebra é de 2%. Em apenas um ano! Enfim, cada um irá tratar os números de acordo com as suas conveniências.

Portugal atravessa, pelo menos há uma década, uma grave crise demográfica, com uma redução enorme no número de nascimentos que, nos últimos anos já nem sequer atingiram os 100 mil por ano. Em 2012, a natalidade em Portugal ficou-se apenas pelos 89 mil nascimentos!!! Se a esta grave crise demográfica, juntarmos a crescente emigração a que se tem vindo a assistir (agora numa lógica familiar e não apenas da saída do "chefe" de família), fica-se com a clara ideia de como daqui a uns anos o número de alunos no 1º ciclo não irá ultrapassar os 350 mil (menos 100 mil do que agora). Há quem prefira continuar a desvalorizar a questão demográfica, mas não tenhamos dúvidas que esta é um dos principais factores responsáveis pela redução verificada no número de professores... 

Portugal encontra-se numa situação de grave constrangimento económico-financeiro, a tentar sair de uma bancarrota em que os governos socialistas dos últimos quinze anos mergulharam o país. Os governos guterristas e socráticos sabiam muito bem o que estavam a fazer quando decidiram erguer as obras "faraónicas" que bem conhecemos e resolveram apostar em PPP`s mais que duvidosas, ignorando por completo as suas consequências no aumento da dívida pública. 
Por outro lado, sabiam que, na área da Educação, a quebra da natalidade e o fenómeno da litoralização teriam, forçosamente, implicações na redução do número de professores necessários ao sistema público de educação. A resposta dada com as "Novas Oportunidades" não passou de mera cosmética para "mascarar" as estatísticas da Educação e ocupar professores que estavam a mais no sistema... E convém não esquecer que foram os socialistas que começaram com o fim das escolas primárias nas aldeias e apostaram na agregação de escolas, pelo que não se compreende que nada tivessem feito com vista à reestruturação dos QZP`s ou à mudança das regras dos concursos de professores...

Num país resgatado, dependente do financiamento externo e amarrado a compromissos assumidos com os nossos credores, não há espaço para "regabofes", pelo que já se sabia que na área da Educação (o sector com maiores despesas do Estado) a austeridade não seria pouca: desde o início do seu mandato que Crato avisou que o número de professores teria que ser reduzido. Recorde-se que em 2010 Portugal era o país da OCDE com o maior rácio professores/1000 alunos, pelo que seria inevitável que se assistisse a uma redução do número de docentes. Daí que o número de colegas contratados tenha vindo a reduzir-se. Por outro lado, e por via do êxodo rural patente em muitas regiões do país, a mobilidade geográfica (com o alargamento das áreas dos QZP`s) foi uma solução, que só os mais teimosos não querem ver como inevitável, por forma a evitar a mobilidade especial. Continuo a não perceber o que faz com que muitos colegas nossos continuem a pensar que seria possível efectivar mais colegas contratados. Com tantos horários-zero, é inevitável que os professores do quadro (cerca de 100 mil) cheguem para as necessidades do sistema. Quer queiramos, que não, nos próximos anos, aos nossos colegas contratados apenas restarão as necessidades temporárias e residuais (o que numa profissão maioritariamente feminina até poderão corresponder a alguns milhares de horários anuais)... 

Chegou ao fim o ciclo de despesismo e desperdício que caracterizou os governos socialistas e que levou a que o Estado se tivesse tornado, financeiramente, insustentável, pelo que, nos próximos anos continuaremos a ver em prática a lógica do "fazer melhor com menos". Na Educação, a austeridade não tem de significar redução da qualidade do ensino ministrado, mas tão só uma racionalização dos recursos humanos e materiais disponibilizados. Nesta perspectiva, a mobilidade geográfica dos docentes e a agregação de escolas constituíram estratégias que visaram reduzir custos sem prejudicar o sucesso dos alunos... 
Mas, há aspectos da política governativa que também merecem uma crítica. É que a solução para os problemas da despesa da Educação não passa por qualquer tipo de cheque-ensino ou pela prática da mobilidade especial... Nem tão pouco se percebe que se continue a apostar nos contratos de associação com instituições privadas em locais onde a oferta pública é mais que suficiente para as necessidades (o caso das Caldas da Rainha é flagrante). Por outro lado, a quase banalização do ensino profissional e a aposta "forçada" no ensino vocacional não podem ser tidas como a "galinha dos ovos de ouro" com vista ao sucesso escolar. 
Quanto à preocupação principal da classe docente, parece-me que a redução do número de professores (por via das aposentações e da redução do número de contratados) e a reorganização do parque escolar (por via da agregação de escolas) a que assistimos há já vários anos foram soluções mais que suficientes para reduzir as despesas na Educação. Os professores que temos actualmente no sistema são suficientes para as necessidades e a mobilidade geográfica (com a redefinição dos QZP`s) está implementada, pelo que insistir na mobilidade especial (injusta e inconstitucional) parece-me um erro. Por outro lado, quanto às teorias da liberdade de escolha e dos cheques-ensino, é bom que Nuno Crato perceba que enquanto tivermos esta Constituição e a população não sentir a necessidade de mudar "este" Estado Social, não vale a pena re-inventarmos realidades de outros países para a realidade portuguesa, sob pena de se criarem problemas desnecessários...

17 comentários:

Agnelo Figueiredo disse...

Globalmente muito bom.
Não concordo com a oposição ao cheque-ensino. Até defendo que as escolas, as estatais, deviam ser financiadas através da recolha dos cheques dos alunos que as frequentassem.
Defendo o mesmo para a saúde. Os hospitais deviam ser financiados pelo número de atos médicos praticados.
Ou seja, financiar os cidadãos e não as instituições.

Cumprimentos

T. disse...

Boa tarde pedro, sou jornalista da visão e gostava de falar um pouco consigo para um trabalho que estou a fazer, será que pode enviar-me os seus contactos mais diretos para tcampos@visao.impresa.pt?
grata pela atenção, até já
Teresa Campos

Luis Moreira disse...

De acordo. Escolas boas privadas cheias de alunos ricos; boas escolas públicas cheias de alunos remediados; más escolas públicas cheias de alunos pobres a quem não é dada a oportunidade de mudar de escola. É este o objectivo do cheque ensino

Anónimo disse...

OK. E as localidades onde não há escolas privadas, ou pelo menos boas escolas privadas? O cheque ensino é de um valor que permita ao jovem pagar, para além das propinas, alojamento e despesas de deslocação para as melhores escolas privadas?

Anónimo disse...

É mais um blogue ideológica e partidariamente comprometido. É mais do mesmo. Para isso já temos Don Ramiro que ainda há tempos estava do lado da FenProf. Enfim...

Anónimo disse...

É falso que o saber não ocupe lugar. Ocupa o lugar da ignorância...

Maria disse...

Compreendo a sua teoria que se baseia na ideia de que havendo menos natalidade e maior austeridade já é bom que haja lugar para todos os professores do quadro.
Mas fico desiludida com a ideia que se foi criando na nossa classe de que tudo isto não passa de uma inevitabilidade e que, portanto, não nos devemos queixar, nem sequer protestar.
É este sentimento de banalização da situação presente, como se os professores fossem os culpados de tudo isto, que o Pedro apresenta aqui no seu blogue que me desilude em si e em todos os que pensam como você.
A redução do número de professores não é uma inevitabilidade, mas sim uma opção política. Não tenha dúvidas disso.

Agnelo Figueiredo disse...

Claro que não é uma inevitabilidade.
O Governo podia aumentar a carga horária dos alunos.
Em vez de 30 horas semanais podiam ter 50 ou 60.
Outra forma era limitar o número máximo de alunos numa turma. 15 seria um número interessante.
Resolvia-se logo o problema do excesso de professores.

Ana disse...

Já deu para ver que você defende que o sistema deve contar apenas com os professores do quadro com horário e que as substituições e necessidades temporárias fiquem a cargo dos colegas do quadro sem horário. Por isso é que também concorda com as novas áreas dos QZP.
Quanto aos contratados que se lixem, não é? Quantos menos melhor, não é?
De certeza que você se fosse contratado não pensava assim.

Anónimo disse...

O Homo Cratensis passou das novas oportunidades para zero oportunidades. Nem minimalista é este ministério. É um ministério niilista.

Gorgi disse...

Excelente artigo. É verdade que há quem ainda não tenha compreendido os reais efeitos da quebra da natalidade. E ainda temos a crise. Por isso é que se torna inevitável a redução do número de professores.
Abraço

Anónimo disse...

E há quem não tenha percebido que a redução da natalidade é um dos fatores menos significativos, pelo menos por agora. A crise e as medidas para a combater já são outra história. É preciso compreender que as decisões a nível educativo têm tido um caráter economicista e vantagens pedagógicas néria, antes pelo contrário. Nuno Crato não é um homem da educação, mas um economista, um matemático ao serviço da troika. Mais nada.

Anónimo disse...

http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=P2012N24260

Des disse...

Este artigo parece-me pouco acertado. Como se pode ver nos quadros apresentados, 50% da redução do pessoal ocorreu no 3º ciclo e secundário, onde, de momento, os efeitos da descida de natalidade não tem sido evidentes (o número de alunos jovens até tem aumentado). Não se percebe, aliás, a opção do autor em tratar de forma homogénea os diferentes ciclos de ensino e grupos de recrutamento. Por exemplo, quando diz: « Com tantos horários-zero, é inevitável que os professores do quadro (cerca de 100 mil) cheguem para as necessidades do sistema.». Afinal: o sistema não pode ter professores do 1º ciclo a mais e do secundário a menos? Não pode ocorrer uma situação excesso de professores de ET e carência de professores de Físico-Quimica (são apenas exemplos, não pretendo dizer que correspondem à situação atual)?
Aliás, a intenção de aprofundar a componente profissional de alguns currículos, a aplicar a uma percentagem cada vez maior de estudantes, poderá levar a que a utilidade de alguns dos docentes dos grupos não contemplados nas matrizes desses cursos venha a ser questionada.

Cumprimentos

Anónimo disse...

O Pedro só fala assim porque (pelo menos por enquanto, pois nada é garantido, e cada vez mais isto é verdade) não tem o seu lugar em perigo, e também não deve estar sujeito a mobilidade geográfica. Caso estivesse em horário-zero, ou, pior ainda, fosse contratado, seria tão compreensivo em relação a estas medidas ruinosas que na realidade vão condenar muitos professores, e por arrastamento, muitas famílias ao desemprego e consequente desespero?
É que convém não esquecer que o problema da baixa natalidade, com tudo o que de negativo daí advém, não justifica todas estas medidas draconianas. Se não se optasse por tantos mega-agrupamentos (ou por agrupamentos tão gigantescos como os actuais), se não se aumentasse o número de alunos por turma, e se não se aumentasse (directa ou indirectamente) o horário de trabalho dos professores, a perda de alunos teria consequências bem menores.
E por fim, o Pedro, enquanto laranjinha fanático, continua a acusar apenas o PS, referindo os governos socialistas dos últimos 15 anos, como se os governos sociais-democratas não tivessem a mínima culpa, esquecendo-se, por exemplo, do governo vergonhoso de Durão Barroso, que só não destruiu mais o país porque a Comissão Europeia o chamou, e ele, obviamente, preferiu essa "reforma dourada" a continuar a afundar o país no pântano. Mas claro que para os fanáticos da direita, a culpa é só da esquerda... Tenham vergonha!!!

Pedro disse...

Resposta ao Des(?)

A redução do número de professores no 3º ciclo e secundário não se deve à quebra da natalidade (nunca referi isso), mas sim a vários factores como o fim das Novas Oportunidades e a agregação de escolas.

Diz que eu optei por tratar de forma homogénea os diferentes ciclos de ensino e grupos de recrutamento. Claro que há diferenças entre disciplinas, ciclos de ensino e áreas geográficas, mas neste tipo de artigo (não é um estudo pormenorizado) há que generalizar. Claro que há grupos mais afectados (o 110), assim como há regiões do país com maior percentagem de horários-zero (o Interior Norte). O que eu tentei demonstrar é que os cerca de 100 mil professores do quadro devem ser suficientes para as necessidades permanentes do sistema e caso não o sejam até pode ser que sobrem horários completos e anuais para colegas contratados. É que quando se analisa o número de docentes e as necessidades do sistema deve-se fazer uma análise a quatro anos...
Daí que defenda a mobilidade geográfica, por forma a evitar a mobilidade especial (que considero injusta e ilegal).
Cumprimentos

Pedro disse...

Resposta à Ana e ao último anónimo (?)

Primeiro que tudo devo dizer-lhes que não sou "laranjinha fanático". Se o fosse defendia tudo o que é proposto por este Governo e nunca o criticava. Ora, quem lê o que aqui escrevo sabe que já critiquei muitas vezes este Governo e Nuno Crato. Agora, não tenho problemas em dizer que, se houvesse novamente eleições, voltaria a votar no PSD e que me parece que, grosso modo, este Governo está a tomar as medidas correctas (não digo todas...) por forma a tirar o país da bancarrota em que outros o colocaram...

Quanto a questões da Educação, a Ana diz que eu escrevo o que escrevo porque não sou contratado e o anónimo diz que o faço porque não tenho o meu lugar em risco. Ora, seria demasiado simplista estar a contrariar as vossas ideias, mas é bom recordar uma velha máxima muito conhecida: "O homem é o homem e as suas circunstâncias". E, convém recordar que, neste momento, todos temos o nosso lugar em risco...

Quero recordar ao anónimo que nunca escrevi que a natalidade justifica todas a medidas tomadas. Por isso é que no artigo que escrevi referi-me à natalidade e à austeridade (basta ler o título do artigo). Nunca escondi isso e já critiquei medidas tomadas por este Governo como o exagero em algumas agregações de escolas e a insistência nos contratos de associação. E não me canso de criticar a mobilidade especial... Mas, não tenhamos dúvidas que estas medidas de austeridade têm o seu início na situação de bancarrota em que outros deixaram o país. E neste "outros" há um nome que se destaca por muito que lhe custe: José Sócrates.

Neste debate há dois pontos de vista principais: os que insistem na ilusão, na contestação corporativista e naquilo que gostariam que acontecesse e aqueles que têm uma visão mais realista da situação a que chegámos e que em vez da mera contestação corporativista assumem uma posição de assumpção da realidade.

É claro que eu preferiria que cada turma não tivesse mais do que 20 alunos e que não tivessem ocorrido agregações de escolas e que a disciplina que lecciono tivesse maior carga horária. Mas, as circunstâncias obrigam, muitas vezes, a mudanças. Há quem lhe chame austeridade ou contenção ou até racionalização dos recursos. Enfim, eu prefiro chamar-lhe "fazer mais (ou o mesmo) com menos"...