domingo, 27 de outubro de 2013

Foi há quatro anos. Os efeitos (nefastos) estão à vista...

Uma das poucas vantagens de quem dá aulas longe de casa é a possibilidade/necessidade que existe em se fazer boleias com colegas que estão nas mesmas condições. Daí resulta que estas viagens propiciam conversas animadas e todos sabemos que quando há muitos professores juntos os temas mais recorrentes são os que têm que ver com a Educação.
Ora, depois de mais de um mês de viagens casa-escola-casa, que por dia totalizam duas horas, quase sempre de carro cheio, o que mais me impressiona é a desilusão que temos com o estado a que Educação, no nosso país, está a levar. Por semana, somos mais de dez colegas que fazemos boleias e todos trocamos "estados de alma" sobre o que se vai passando nas nossas lidas profissionais. A desilusão é total e quase todos os dias comparamos os alunos que tínhamos há 15 anos atrás com os que temos agora...  
A maior parte dos professores queixa-se das políticas educativas e da lógica do "empobrecimento" que tem tomado conta do Estado Social desde que a troika tomou conta do país. Contudo, cada vez que vejo colegas a queixarem-se da falta de interesse de muitos pais e alunos pela Escola, da indisciplina que grassa nas nossas escolas ou na cada vez maior dificuldade que os professores sentem em ensinar os seus alunos, recordo-lhes que em 2009 foi tomada, pelo governo de então, uma decisão que está, em grande medida, na origem de muitos dos problemas que, todos os dias, sentimos nas nossas escolas: o alargamento da escolaridade obrigatória para os doze anos.
Quando recordamos os nossos tempos de professores de há alguns anos atrás e afirmamos que era muito mais fácil ensinar (e convém recordar que as turmas não tinham menos alunos nesse tempo; bem pelo contrário - no meu primeiro ano como professor cheguei a ter uma turma do 7º ano com 33 alunos!) convém não esquecer que uma das razões que possibilitava essa "facilidade" de ensinar tinha que ver com o filtragem que existia logo no ensino básico: os alunos com 15 anos que tinham interesse em continuar na escola continuavam; os que, como se dizia na época, "não tinham jeito nenhum para a escola" estavam nove anos na escola e (se não fosse antes por situação de abandono escolar) começavam a trabalhar.
Entretanto, em 2009, o governo socrático decidiu-se pelo alargamento da escolaridade obrigatória até aos doze anos e o que estamos agora a assistir é verdadeiramente elucidativo de como não é por se obrigar alguém a estar na escola durante doze anos que se conseguem melhores desempenhos e resultados escolares. Bem pelo contrário! Muitos daqueles alunos que frequentam as turmas do ensino não regular são precisamente aqueles alunos que há 15 anos atrás deixavam a escola com o 7º ou 8º ano e já com uma ou duas retenções no seu percurso escolar. Agora encaminhamos esses alunos para cursos vocacionais, PCA`s, CEF`s e profissionais e fazemos das "tripas coração" para que estes alunos aprendam alguma coisa. Só quem tem este tipo de turmas é que sabe o "contorcionismo" que há que fazer para captar o interesse de alunos pouco interessados em estudar. As estratégias são bem conhecidas: pouca teoria e muita prática. Mas, muitas vezes, nem com aulas mais práticas estes alunos lá vão...
Recorde-se. Foi em 2009 que o governo de Sócrates se decidiu por obrigar os jovens a estarem na escola durante doze anos, uma medida que entra em contradição com o que ocorre na maioria dos países da UE (ver quadro). Foi uma medida totalmente populista e em nada contribuiu para melhorar a Escola Pública. Os efeitos negativos foram muito superiores às vantagens obtidas com esta medida. Quem está nas escolas sabe que muita da indisciplina e violência que ocorre tem como protagonistas alunos que, pela antiga lei, já estariam fora da escola. Agora é vê-los, muitas vezes, a continuarem na escola para além dos 18 anos de idade em cursos do ensino profissional a fazerem de conta que estudam.
O pior é que não me acredito que haja algum governo que tenha a coragem de mudar a lei. Faz-me lembrar as vilas que há uns atrás passaram a cidades e que, agora, depois do êxodo rural e quase sem população mais parecem umas aldeias, mas continuam com o estatuto de cidade. Não há coragem política. O mesmo se passa com a escolaridade obrigatória. Precisamos de um Ministro da Educação que tenha a coragem de "ressuscitar" a antiga lei da escolaridade obrigatória. Esperemos sentados, não é?

8 comentários:

Anónimo disse...

Pedro, mal comparado, você lembra um tipo a quem um leão comeu um braço e está preocupado com a camisa rasgada, enquanto se esvai em sangue...
Francisco Santos

Rui Mendes disse...

Obrigar todos os alunos a estarem na escola até aos 18 anos foi um erro que nos vai custar muito caro. Quisemos ser inovadores na Europa e agora inventamos uns cursos chamados de vocacionais para entreter os miúdos a quem a escola nada diz.
E é como você diz. É preciso já ter dado aulas a este tipo de alunos para se saber do que falamos.

Nan disse...

Deixe lá os efeitos nefastos, homem. E diga lá agora que este governo - até é estranho chamar governo a esta quadrilha, mas seja! - não quer acabar com a escola pública. Eu vou esperar sentada... Agora não quer explicações do Crato? Ainda acha que o maior problema do nosso ensino são os 12 anos de escolaridade?

Pedro disse...

Caro Francisco, não menospreze os efeitos negativos de se ter prolongado a escolaridade obrigatória até aos 12 anos de escolaridade.

Caro Rui, infelizmente é isso que muitos de nós sentimos em muitas salas de aula: andamos a entreter os alunos...

Cara Nan, eu não deixo de falar nos efeitos nefastos porque os sinto todos os dias e quando comparo os alunos que tinha há 15 anos atrás com os que tenho agora não posso deixar de pensar no erro que foi ter-se prolongado a escolaridade obrigatória.
Quanto ao discurso que por aí anda do governo querer acabar com a Escola Pública, parece-me uma tempestade num copo de água. O cheque-ensino não passa de um "chavão" que não irá passar do papel. E a Escola Pública irá sempre existir. Para que tipo de alunos é outra questão. É que se eu fosse rico também lhe digo que certamente iria preferir ter os meus filhos numa escola privada, onde imperasse a exigência, o rigor e a disciplina. O que o Estado não pode fazer é financiar colégios privados destinados aos ricos. Isso é que não! Daí que os contratos de associação com os privados devam, quanto a mim, apenas existir em situações de excepção, onde a Escola Pública apresenta uma oferta insuficiente...

Anónimo disse...

Curioso os seus comentários :
"É que se eu fosse rico também lhe digo que certamente iria preferir ter os meus filhos numa escola privada, onde imperasse a exigência, o rigor e a disciplina." Então não é o que o Pedro deve exigir nas suas aulas? Comece na sua disciplina e nas suas aulas que é a sua obrigação, mas pelos visto o que anda a fazer é e passo a citá-lo.... "infelizmente é isso que muitos de nós sentimos em muitas salas de aula: andamos a entreter os alunos...". Com isto fico preocupado em saber que os meus filhos possam ser alunos do Pedro. Rico exemplo que você dá.
"A desilusão é total e quase todos os dias comparamos os alunos que tínhamos há 15 anos atrás com os que temos agora... " e eu digo o mesmo em relação aos professores, o que eram há 15 anos atrás que não andavam a entreter alunos , mas que ensinavam.
Para quem é professor devia dar o exemplo e deixar de lamúrias sobre o aumento da escolaridade obrigatória, ainda por mais, é devido a esse aumento que tem mais alunos na escola o que permite a sí e a outros professores possam ter horário e emprego a uma hora de casa ( dê-se por feliz).

António Pereira

Anónimo disse...

Espero bem que o Pedro tenha visto a reportagem da Ana Leal da TVI sobre as ligações de atuais e antigos governantes a muitos dos colégios privados que vivem à custa dos dinheiros dos contribuintes.
Fica explicado porque razão a coligação governamental quer o cheque ensino.
E já agora seria bom que escrevesse alguma coisa sobre o que o tão badalado guião da reforma do Estado diz sobre a Educação.

Anónimo disse...

O Pedro anda ocupado a congeminar estratégias para disciplinar os seus alunos e melhorar as suas aprendizagens!

Pedro disse...

O argumento do António Pereira faz-me lembrar aqueles que vêem a escola como uma espécie de depósito de alunos onde o que interessa é que os alunos estejam na escola não para aprender mas sim para justificar o posto de trabalhos dos professores.
Pois eu vejo na escola um local onde, depois dos 15 anos, apenas deveriam estar aqueles que querem aprender e não os que, obrigados a estarem na escola, são as cobaias dos que aumentaram a escolaridade obrigatória apenas por razões de conveniência eleitoralista...