O jornal Público de hoje destaca em primeira página a proposta que o Governo apresentou aos sindicatos da educação com vista à introdução de alterações nos "concursos" de colocação dos professores. A acreditar no teor da notícia, da qual não desconfio, o Ministério pouco ligará à posição tomada pelos sindicatos, por duas razões principais: a falta de credibilidade que os ditos "representantes" dos docentes apresentam aos olhos da opinião pública e a forma inflexível e determinada (ou será determinista?) com que Valter Lemos e a Ministra da Educação têm conduzido as suas políticas...
Quanto às alterações previstas na colocação de professores, parece ficar claro que o que se pretende é "impor" uma maior estabilidade no corpo docente de muitas escolas, independentemente das condições em que os docentes terão que leccionar. Deste modo, o que poderá resultar da política de reconduções e de obrigatoriedade de estar 3/4 anos na mesma escola é uma amálgama de situações díspares: casos de docentes que ficarão agradados com o que lhes "calhar" em sorte, mas também situações de professores contrariados e cuja dedicação à causa docente não será a melhor!
A política de contratação de professores necessita de uma orientação clara no sentido de que a estabilidade do corpo docente seja compatibilizada com medidas que evitem que um docente de Bragança seja obrigado a leccionar em Faro. Este objectivo poderá ser um caminho a concretizar com as actuais propostas da tutela, pelo que é duvidoso que o carácter obrigatório da aceitação da função docente por 3/4 anos numa escola tenha resultados efectivamente positivos.
Entretanto, duas medidas avançadas pelo Ministério da Educação parecem ir no caminho da procura do facilitismo e do sucesso escolar nivelado por baixo: o despacho-normativo 50/2005 e a redução do número de exames nacionais. Voltarei a este assunto...
2 comentários:
olá Pedro
Não concordo muito com a duração de 3!4 anos os concursos. Poderá ser bom para os quadros de escola...mas acho que muitos professores irão se acomodar ( já falei no comentario anterior), para além disso, imagina que alguem vai para muito longe...ou então não encontra um corpo docente em que se sinta integrado.
bjs
Não tem a ver com o tema postado, mas parece-me interessante ler e reflectir sobre o assunto.
Este texto escrito por um professor de filosofia que
escreve semanalmente para o jornal O Torrejano.
Está fantástico.E tristemente verdadeiro...
O atestado médico
Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vai ter e fazer uma vigilância.
Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua imaculada camisa. Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta. Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas é complicada, por isso convém justificá-la. A questão agora é: como justificá-la? Passemos então à parte divertida.
A única justificação para o facto de ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico. Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só uma doença poderá justificar sua ausência na sala do exame.
Vai ao médico. E, a partir deste momento, a stuação deixa de ser divertida para passar a ser hilariante.
Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o sorriso e Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e a
felicidade o padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da psicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnose colectiva em
Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI.
O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não
está doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação
sabe que ele não está doente. O próprio legislador, que manda a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que o professor não está doente.
Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não toca,do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que está doente.
Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um
país doente.
Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser
racional, útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo
que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a mentira é verdade.
Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma
mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados. Mas isso é normal. Sabemos bem,depois de termos chorado baba e ranho a ver o "ET", que este é um boneco e que temos de poupar a baba e o ranho para outras ocasiões.
O problema é que em Portugal a ficção se confundecom a realidade.
Portugal é ele próprio uma produção fictícia, provavelmente mesmo desde D. Afonso Henriques, que Deus me perdoe.
A começar pela política. Os nossos políticos são descaradamente
mentirosos.
Só que ninguém leva a mal porque já estamos habituados. Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade, mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há boas razões para falar verdade.(...)
Nós, portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que assim seja. Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos
derretidos (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais
felicíssimos e com vidas de sonho. Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.
Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos
ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros.
Fazemosmalabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias, mas para ver passar, a
seu lado,entulho, lixo, mato por limpar, eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas horríveis e fábricas desactivadas.
Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente perante o mundo.
Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico. É Portugal que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio.
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