sábado, 15 de dezembro de 2012

A propósito da carga lectiva dos professores

Nos últimos dias alguns jornais trouxeram à estampa a possibilidade do Governo vir a aumentar a carga lectiva dos professores. Esta situação não me surpreende. Aliás, tendo em conta a necessidade de se fazerem cortes no sector da Educação, aliada ao facto dos professores constituírem a maior fatia de funcionários públicos (cerca de 25% do funcionalismo público em Portugal), só os mais distraídos poderiam acreditar que o aumento da carga lectiva não estaria em cima da mesa de Nuno Crato e, sobretudo, de Vítor Gaspar, com vista à redução da despesa pública.
Sim, porque, sejamos realistas, o objectivo primordial não é melhorar a qualidade da Escola Pública! O objectivo é sim o de racionalizar e tornar a "máquina" mais eficiente. Enfim, trata-se de tentar alcançar os mesmos ou até melhores resultados com menos meios. Aquilo a que no "economês" se costuma apelidar de maximizar os recursos disponíveis.
Claro que os sindicatos e a generalidade dos professores são contra esta medida. Qual é o trabalhador que concorda de bom grado com aumentos do horário de trabalho, ao mesmo tempo que não vê valorizado, em termos monetários, o seu esforço há já uma série de anos? Por isso, penso que a avançar-se com esta medida, a sua aceitação e, sobretudo, a justiça da sua aplicação só poderia ser concretizada se a mesma fosse complementada com outras medidas. Explicarei as medidas mais à frente...
As estatísticas internacionais (destaco o estudo da OCDE "Education at a Glance") indicam que a carga lectiva dos professores portugueses é superior à média da OCDE. Contudo, se compararmos os dados apresentados com a realidade vivida nas escolas ficamos com dúvidas. De facto, o relatório indica que em 2010 os professores do 3º ciclo e secundário leccionavam 761 horas por ano. Ora, se multiplicarmos 22 tempos lectivos, ou seja,  16,5 horas semanais pelo número de semanas de aulas por ano (uma média de 38 horas por ano) dá um total de 627 horas de aulas por ano, muito longe das 761 horas contabilizadas no relatório da OCDE. Por outro lado, ainda ontem falava com um colega de Espanhol que me dizia que em Espanha o horário semanal de um professor tem 28 tempos lectivos, bem acima das praticadas em Portugal, apesar de no relatório os espanhóis aparecerem com cerca de 700 horas de aulas por ano. Portanto, as dúvidas suscitadas no relatório da OCDE neste indicador são muitas, sobretudo, porque ficamos sem perceber se são contabilizados os tempos ou as horas lectivas...
O relatório também apresenta o horário de trabalho docente (lectivo e não lectivo) nos vários países da OCDE. Neste indicador, Portugal aparece com um total de 1456 horas de trabalho por ano, bem abaixo da média da OCDE (1676 horas por ano), dado que a média de 35 horas de horário semanal no nosso país está muito abaixo da média registada nos restantes países. Ora, a média de horas de trabalho na Função Pública na maioria dos países da OCDE é de 37,5 horas, sendo que a maioria dos países tem um horário de trabalho semanal de 40 horas.
Daqui resultam várias conclusões:
1. Parece-me óbvio que o horário semanal de um trabalhador da Função Pública, em Portugal, irá aumentar das actuais 35 horas para 37,5 horas por semana, acrescentando mais 30 minutos de trabalho por dia. Desta forma, aproximamo-nos da média dos países da OCDE e do próprio sector privado.
2. Na área da Educação, o aumento de 2,5 horas de trabalho semanal poderá não ter efeitos no aumento da carga lectiva. Digo isto porque as recentes mudanças verificadas na distribuição do serviço docente e no currículo escolar foram de tal ordem que a existência de tantos professores do quadro com horário zero não dá espaço de manobra para que a carga lectiva vá para além dos actuais 24 tempos lectivos. Agora, acredito que possa haver mudanças na componente não lectiva e nas reduções da componente lectiva...
Contudo, caso exista um aumento nas horas lectivas este deveria ser muito ligeiro e, na minha opinião, teria de ser complementado com outras medidas que considero mais que justas. Não sou da opinião do antigo Ministro da Educação Couto dos Santos que afirmou que a redução da componente lectiva deveria acabar. Obrigar um professor de 60 anos a ter de leccionar 24 tempos por semana a 10 turmas é demais. É justo que continue a existir a redução da componente lectiva, mas sem que haja aumento do vencimento. A idade deve ter como principal compensação a redução da componente lectiva e não acrescentos salariais, sobretudo para quem tem mais de 20 anos de serviço. Quem dá aulas há 20, 30 ou 40 anos deve ganhar o mesmo, dado que a função laboral é a mesma.
3. A discriminação da carga lectiva com base na idade deve ser compensada pelo exercício de determinadas funções de carácter pedagógico. De facto, penso que os colegas mais velhos poderiam leccionar menos horas por semana (ter menos turmas e menos alunos), mas, em compensação, deveriam ser eles a terem horas de apoio para os alunos com maiores dificuldades, com um máximo de 8 alunos por hora de apoio. Assim, continuariam a ter as 37,5 horas de trabalho semanal, com menos horas lectivas, mas com uma função pedagógica decisiva para a melhoria dos resultados escolares dos alunos, dado que seriam eles a ter os apoios pedagógicos. E, claro, com o mesmo vencimento que um seu colega que esteja a meio da carreira docente.
É óbvio que não há nenhum professor que aceite de bom grado o aumento do horário de trabalho. Mas, há quem compreenda essa necessidade, desde que a mesma seja complementada com um novo sistema remuneratório (que seja menos desigual do que é o actual) e com a continuação do regime de redução da componente lectiva que liberte os apoios pedagógicos (uma espécie de explicações dadas pela escola para os alunos com maiores dificuldades) para os colegas com reduções da componente lectiva.
Claro que dizer-se que é contra é sempre a escolha mais fácil. Argumentar, fundamentar e, sobretudo, ter uma visão realista daquilo que nos cerca, apresentando alternativas ou ideias complementares é mais difícil, mas também mais útil. É que há quem se limite a só dizer mal de tudo o que vem do Governo. Pois, é a velha ideia dos direitos adquiridos que alguns pensam ser infinitos... Voltarei ao assunto.

Adenda: estive a fazer umas contas. Este ano lectivo vamos ter um total de 168 dias de aulas, o que dividindo por cinco dias da semana, dá uma média de cerca de 34 semanas de aulas. Ora, multiplicando 34 semanas pelos actuais 24 tempos lectivos (18 horas efectivas de aulas) dá um total de 816 tempos de aulas, ou seja, 612 horas de aulas num ano, valor que está abaixo da média da OCDE para o ano 2010.
Ficam duas perguntas: será que os dados apresentados no relatório da OCDE para Portugal estão errados? Será que o Governo de Sócrates deturpou os dados com segundas intenções? É que ainda não percebi o "boom" de horas lectivas verificado entre os anos 2005 e 2010!

8 comentários:

Anónimo disse...

Mas você é a favor ou contra esta ideia de se aumentar a carga letiva dos professores. Seja concreto na resposta e não responda aos zigue-zagues.

Lurdes disse...

Cá está outra vez a meter-se com os mais velhos. Não há pachorra.
Não vê que isso só divide a nossa classe!

Carla disse...

Experimente contabilizar o número de horas de trabalho numa semana e vai ver que as 35 horas não chegam. Comigo nem sequer 40 horas chegam.

Pedro disse...

Caro anónimo(?), sou contra o aumento da carga lectiva. As actuais 22 horas lectivas por semana são suficientes.
Mas, também lhe digo que compreendo que na Função Pública se verifique um aumento das actuais 35 horas de trabalho semanal para as 37,5 horas (a média dos países da UE), sendo que na classe docente esse aumento deve incidir na componente não lectiva. Espero ter sido claro...

Cara Lurdes, se a classe é heterogénea, porque razão tem de haver unanimismos? E não se trata de "atacar" os mais velhos, mas sim de opinar...

Cara Carla, acredito que no seu caso e no de muitos professores 35 horas de trabalho por semana não cheguem para o trabalho real que se tem com as aulas e com toda a burocracia inerente. Mas, também acredito que ainda haja muitos colegas nossos (sobretudo os que têm poucas turmas, fruto da redução da componente lectiva, para além daqueles que são pouco competentes na sua função, pois também os há!) que não cheguem a laborar efectivamente as 35 horas por semana. Como diz o outro "há de tudo" e "por causa dos maus, pagam os bons".

Luísa disse...

Só mesmo tu para fazeres as continhas todas.
Com tantos pormenores ainda te chamam para analisares a veracidade do relatório da OCDE.

Pedro disse...

Luísa, se continuares a dar aulas em Lamego já te podes dar por contente.
Olha que há muitos colegas com o nosso tempo de serviço que não estão preocupados com o valor da reforma que vão ter, mas sim sobre quando é que vão dar aulas para perto de casa.

Agnelo Figueiredo disse...

Este relatório da OCDE é muito manhoso.
Note-se que no "Ensino Primário" eles incluem os nossos 1.º e 2.º ciclos.

Rui Ratão disse...

1) És um palerma, ó Pedro! As contas não se fazem assim, idiota! Por exemplo, nas empresas privadas, a mijadinha conta para as 40 horas ou não?
LOL, és um palerma, desculpa que te diga.

2) O Agnelo, o gajo que já não é professor há décadas, vem contribuir para a «discussão». Ó rapaz, vai lá aturar os ciganos e afins na sala de aulas e depois vem para aqui conversar.